São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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"A BELA E A FERA"

Montagem brasileira é honesta às duas dimensões do original

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Não vá assistir à "A Bela e a Fera" esperando um "Les Misérables". Afinal, há muitas Broadways, e esta da Disney é a mais comercial. Vem sendo questionada por uma ala mais "autêntica" da Broadway, como mostra o filme "O Poder Vai Dançar"; e até mesmo pela indústria de desenho animado, na qual antes era soberana, em "Shrek". Mas chega ao Brasil como quem traz a civilização ao Terceiro Mundo, amparada por um marketing e uma produção sem precedentes.
Isso quer dizer que a montagem é um blefe? Não. Não chega sequer a ser ruim, já que não assume riscos. Os efeitos todos prometidos estão lá: motores erguem em segundos monumentais paisagens saídas de quadros de loja de móveis, marcas e personagens seguem rigorosamente o desenho animado, mantendo inclusive as duas dimensões da versão edulcorada da Disney. Não se cogita aprofundar os temas do conto original, que quebra o maniqueísmo. A fera se torna humana graças às histórias que a Bela lhe leu, o bem vence o mal. Algo se aproveita da moral: leiam mais, crianças, vejam menos desenho.
A propagada transformação final de monstro em príncipe, efeito que por um hábil marketing ninguém está autorizado a revelar, é superdimensionada e decepciona quem vai lá só para vê-la. Por uma ínfima fração do investimento, e com maior eficácia e lirismo, muitas moças se transformaram em Monga nos parques de diversão do interior.
A montagem, pode-se alegar, pelo menos emprega atores e músicos nacionais. É injusto negar o talento e a competência a quem foi selecionado com tanto rigor. Todos cantam e dançam com uma desenvoltura que há até pouco tempo se duvidava em um elenco brasileiro. Mas é impossível avaliar uma performance tão pré-moldada, por mais que a produção alegue incorporar sugestões nacionais, como uma multinacional de fast food se gabando por incorporar matéria-prima local em receitas consagradas. E é em nome disso que se cogita uma reforma urbana em São Paulo?
"A Bela e a Fera" não é tão espetacular quanto o Holiday on Ice, mas pelo menos dura mais do que as peças dos parques da Turma da Mônica. Em suma, se não é adequado gastar um noite adulta de sábado com esse espetáculo, vale a pena levar seu filho para assistir a uma matinê. Ele vai achar quase tão legal quanto o desenho, e talvez depois possa pedir para que você leia uma história antes de ele dormir. Quem sabe assim ele sonhe com um país distante no qual pessoas não se transformem em objetos, em que todos votem sem constrangimentos externos e invistam em sua própria cultura.


A Bela e a Fera   
Onde: teatro Abril (av. Brig. Luís Antônio, 411, tel. 0/xx/11/6846-6000)
Quando: estréia hoje, às 21h; de qua. a sex., às 21h, sáb., às 17h e às 22h, dom., às 15h e às 20h (160 min.)
Quanto: de R$ 50 a R$ 150




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