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Música - Crítica/"Banda Larga Cordel"
Talentoso, mas enferrujado, Gil volta com disco irregular
Político interfere na obra do artista em álbum que começa festeiro e termina pesado
JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em entrevista coletiva
para divulgar "Banda
Larga Cordel", Gilberto
Gil afirmou que "este disco é
para dizer: "Estou de volta, me
reconciliei com a musa"." Será
que a musa concorda com ele?
Primeiro disco majoritariamente de inéditas desde
"Quanta" (1997), "Banda Larga" é o retrato de um músico talentosíssimo enferrujado, que
não canta como antes e não vai
encontrar inspiração na marra,
só por estar em processo de saída do governo Lula (saída que
já vem sendo anunciada há
tempos, diga-se).
No site feito para o lançamento do trabalho, há o seguinte comentário sobre "La Renaissance Africaine": "É um
exemplo de "terceirização" da
criatividade, como o próprio
Gil gosta de chamar, que veio
adotando nos últimos trabalhos e, sobretudo, nesse, em
função da agenda ocupada no
ministério." Não por acaso, a
faixa é uma das piores do disco.
Mostra que Gil, além de todos
os problemas acarretados pela
distância da musa, terceirizou
sua criatividade com as pessoas
erradas.
O disco tem a mão pesada do
produtor Liminha, o baixo antiquado de Arthur Maia, as programações equivocadas e os
timbres feios de guitarra do filho Bem Gil. E não tem unidade. Começa festeiro, com xotes
e reggaes cheios de vocais de
apoio bregas (a cargo de Nara e
Preta Gil); na sétima canção fica mais denso e delicado, revelando suas maiores qualidades;
e termina eletrônico e pesado,
irremediavelmente chato. São
praticamente três EPs, ou três
inícios de discos, que Gil provavelmente teria tempo de concluir se não tivesse a pasta da
Cultura para cuidar.
O ministério, porém, não deveria ser usado como desculpa.
Ninguém obrigou o artista a virar político. Mas o político fala
mais alto que o artista na faixa-título. Apesar de sugerir algo
erótico nos versos "Pôs na boca,
provou, cuspiu/ É amargo, não
saber o que perdeu/ Tem o gosto de fel, raiz amarga", ela trata
da inclusão digital em Piraí
(RJ). Cita um menino que quer
iPod, outro contratado do Google, e o YouTube chegando aos
grotões do Brasil. Tanta gente
elogiou "Pela Internet", lançada há 12 anos, que Gil acreditou
nesse tipo de letra. Uma pena.
Sensibilidade
O curioso é que em outro momento do CD, na balada "Olho
Mágico", ele aborda um assunto atual com rara sensibilidade.
Criada para o flopado reality
show "Retrato Celular" (exibido pelo Multishow em 2007), a
música reflete sobre o interesse
despertado por esse tipo de
programa. É quase um manifesto anti-reality shows, que
descreve situações íntimas,
com bom humor e direito ao infame cacófato "quer alho?".
Outro bom tema está em "A
Faca e o Queijo". Gil canta o
amor maduro pela mulher, Flora, a chama que não mais inflama e a vontade de ser criança.
Como em "Olho Mágico", o arranjo é singelo, sobra pouco espaço para que a terceirização
arruíne tudo.
"Outros Viram" é ainda mais
interessante porque só traz Gil
e seu violão. Registrada em
"Revirão" (2006), de Jorge
Mautner, versa sobre o que estrangeiros viram de fantástico
na miscigenação brasileira. Às
vésperas da eleição de um presidente americano mulato
(Obama) ou de um que viveu
uma aventura amorosa da juventude no Rio (McCain), a
canção ganha mais força.
Já em "Os Pais", outra de
"Revirão", uma ótima letra sobre liberdades atuais se perde
num arranjo canhestro. No CD
de Mautner, ela é guiada pela
irreverência de Moreno Veloso,
Domenico e Kassin. Gil até cita
nominalmente o trio em "Máquina de Ritmo", mas ainda não
notou que precisa de uma turma nova. Quem sabe gravar
com o Instituto? Ou dividir o
palco com a Macaco Bong no
festival Goiânia Noise? Dar
uma guaribada geral para reconquistar a musa de vez.
BANDA LARGA CORDEL
Artista: Gilberto Gil
Gravadora: Warner
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: regular
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