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LIVROS
"Rotular escrita é a origem do seu fim"
Escritor mexicano Mario Bellatin, convidado da 7ª Flip, lança coletânea de 35 micro-histórias que têm nomes de flores
"Muitas vezes em meus
livros se chega a situações
limites, que não vemos
todos os dias", argumenta
o autor de "Flores"
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor mexicano Mario
Bellatin, 48, poderia ser um
personagem de David Lynch:
maneta, exibe sua prótese com
o orgulho de um Capitão Gancho e é sufi -seita mística muçulmana que cultiva o ascetismo e o transe como forma de
iluminação. Por vezes, ele circula com a saia típica dos sufis.
Toda essa fanfarra visual pode distrair do que mais interessa -os seus livros. Bellatin é
originalíssimo e cria mundos
que só parecem, e assim mesmo de maneira distante, com
seus outros livros.
"Flores" (2001) -que a Cosac Naify lança na Flip, onde o
escritor debaterá com Cristovão Tezza- é uma das melhores amostras do mundo de Bellatin. São 35 micro-histórias
com nomes de flores em que as
imagens saltam à frente da narrativa: o cientista alemão que
descobre um mal terrível e trata tudo como a mais pura rotina, um culto que tem um altar
para "adultos maltratados na
infância", o pai que infecta o filho com o vírus da Aids.
Vítima de talidomida, remédio dado a grávidas que sofriam
de enjoo que provocou má formação nos bebês, Bellatin usa
pedaços de sua história no livro. Um dos personagens é um
escritor que usa uma perna mecânica "decorada com pedras
artificiais", um eco óbvio das
próteses artísticas que um artista plástico cria para o próprio Bellatin.
Na entrevista a seguir, feita
por e-mail, ele diz que seria
"empobrecedor" ler "Flores"
como um retrato dos desastres
da ciência. Sobre as situações
incomuns que descreve, afirma: "Creio que as utilizo como
uma forma de seduzir o leitor,
para dar-lhe a possibilidade de
transitar por uma trilha que ele
não andaria de outro modo".
FOLHA - "Flores" tem personagens
com más-formações genéticas por
causa de remédios dados a mulheres grávidas. Você acha que o seu livro pode ser lido como microrretratos dos desastres da ciência?
MARIO BELLATIN - Creio que é um
livro feito para que possa ser lido da maneira que o leitor quiser. Para mim, tomar o livro como um arrazoado contra a
ciência o empobrece. Jamais
teria escrito nada para tratar de
um assunto semelhante. Talvez fizesse outras ações, mas
escrever não. Ah, e não havia
notado que existiam três personagens com má-formação
genética. Obrigado por me fazer notar. Diante desta observação, continuo constatando
que um livro é uma infinita caixa de surpresas, principalmente para o suposto autor.
FOLHA - Também se pode ler "Flores" como uma coleção de "japonaiseries". Por que você cultua tanto as
artes orientais? É um modo para deixar evidente o artifício da escrita?
BELATIN - Se você descobre no
livro uma coleção de "japonaiseries", vá adiante. Mas não me
agrada de todo uma leitura semelhante porque de alguma
maneira ela se assemelha com
certa tendência europeia de
utilizar esse tipo de recurso.
Não tenho predileção especial pela literatura oriental,
gosto como gosto de tantas outras. Porém, ela me serve para
utilizar algumas de suas estratégias para preservar algo que
está presente desde o começo
dos meus livros: a ausência de
um tempo e lugar definidos.
FOLHA - Por que os personagens de
"Flores" buscam sexo alternativo,
são de religiões pouco convencionais e têm explicações que nunca
passam pela ciência?
BELLATIN - Se você me desse
uma tabela do que é a normalidade, talvez eu pudesse ver se
ações que se desenvolvem no livro se aproximam ou se distanciam desses conceitos. Porém,
deixando a retórica de lado, me
parece que muitas vezes em
meus livros se chega a situações
limites, que não vemos todos os
dias, ao menos de maneira pública. Racionalmente, creio que
as utilizo como uma forma de
seduzir o leitor, para dar-lhe a
possibilidade de transitar por
uma trilha que ele não andaria
de outro modo.
FOLHA - Por que a religião aparece
em "Flores" sempre próxima do sexo e da perversão? Isso tem alguma
relação com o período que você estudou teologia?
BELLATIN - Isso de eu ter estudado teologia sempre se presta
a confusão. Passei por ali de
uma maneira desapegada, como um tipo de espião, como fiz
com a filosofia e com o cinema,
levado somente pelo interesse
de descobrir à distância que
elementos dessas disciplinas
poderiam me ajudar a decifrar
a minha escrita, a dar-me certas luzes que me permitissem
seguir adiante com ela, porque
sobretudo em minha época de
estudante essa escritura tendia
a enroscar-se em si mesma ou
se empenhava a tomar rumos
que não levavam a lugar algum
e meu terror nesses anos é que
ela chegaria a aniquilar-se a si
mesma. Como uma serpente
que morde o rabo.
É por isso que até agora minha prática sufi me ajuda a explorar limites que de outra forma não me ocorreria fazer. Religião, sexo e perversão -constante do homem? Não creio
que meus livros contribuam
com algo de novo ao tema.
FOLHA - Seus livros têm uma relação forte com as artes plásticas. "El
Grand Vidrio" usa o mesmo título de
um trabalho de Duchamp e "Lecciones para una Liebre Muerta", de
uma performance de Joseph Beuys.
Essa relação deriva do seu gosto pelas imagens ou é uma maneira de
escapar da tradição literária?
BELLATIN - Creio que é um gosto
para demonstrar a mim mesmo
de que tudo é parte do mesmo e
que, alguém que começa a fazer
classificações e separações, a
única coisa que faz é pôr limites
às possibilidades de infinito
que só a arte -a literatura tomada como tal- e talvez a mística possuem.
FOLHA - Por que você não gosta
que chamem a sua literatura de experimental?
BELLATIN - Não gosto que a chamem de nenhuma maneira.
Qualquer selo é um tipo de estandardização e estou convencido de que rotular uma escrita
é a origem de seu fim.
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