|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Flores"
Contos tiram leitor da zona de conforto
DA REPORTAGEM LOCAL
Mario Bellatin é um escritor conceitual, no
sentido de criar sob
noções mais ou menos estritas,
como se fosse um jogo do qual o
leitor desconhece as regras.
Vem daí o universo que torna
reconhecível a quilômetros de
distância os seus textos.
Esses conceitos incluem um
texto seco e curto, o uso de personagens incomuns, a ausência
de indicações de tempo e espaço, um tratamento cômico que
se esconde sob a aparência de
seriedade e o estilhaçamento
da narrativa até sobrar só um
fiapo de enredo.
"Flores" -o segundo livro de
Bellatin que sai no Brasil, após
"Salão de Beleza" (2007, Editora XXI, tradução de Maria Alzira Brum Lemos)- tem todos
esses elementos. Nos 35 textos
curtos aparecem mais de uma
vez personagens como o cientista alemão Olaf Zumfelde,
que seleciona quais meninos
devem ou não receber indenização por causa da talidomida;
os gêmeos Kuhn, monstros
nascidos de uma relação incestuosa; e o Amante Outonal, que
se traveste de anciã.
O escritor mexicano Álvaro
Enrigue já notou que o procedimento conceitual de Bellatin
tem traços comuns com os textos do barroco do séculos 17 e
das vanguardas do século 20.
"Funcionam segundo a premissa de que a língua refresca a sua
capacidade de entender o mundo quando produz um enfrentamento de ações que não havia
ocorrido a ninguém associar",
escreveu em 2003 numa resenha do livro "Perros Heróes".
O estranhamento dos textos
de Bellatin (outro ponto em comum com o barroco e com as
vanguardas) é a outra face dessa mesma estratégia: tirar o leitor da zona de conforto.
Não há, porém, estridência
no desconforto. O culto que Bellatin faz da imagem, elemento
que foi buscar na literatura japonesa, transforma seus microcapítulos em uma espécie
de instalação, que se contempla
com um certo assombro. Pense
num ikebana de desastres.
No capítulo "Flores de Laranjeira", ele narra as mutações
genéticas dos gêmeos Kuhn e
conclui: "No final desse processo, a sociedade costuma reconhecer que o anormal estava,
de algum modo, destinado a
transformar-se no esperado". A
frase poderia servir para definir
a literatura de Bellatin.
(MCC)
FLORES
Autor: Mario Bellatin
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 39 (153 págs.)
Avaliação: bom
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Rodapé Literário: A vida em desordem alfabética Índice
|