São Paulo, sábado, 20 de junho de 2009

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Crítica/"Flores"

Contos tiram leitor da zona de conforto

DA REPORTAGEM LOCAL

Mario Bellatin é um escritor conceitual, no sentido de criar sob noções mais ou menos estritas, como se fosse um jogo do qual o leitor desconhece as regras. Vem daí o universo que torna reconhecível a quilômetros de distância os seus textos. Esses conceitos incluem um texto seco e curto, o uso de personagens incomuns, a ausência de indicações de tempo e espaço, um tratamento cômico que se esconde sob a aparência de seriedade e o estilhaçamento da narrativa até sobrar só um fiapo de enredo.
"Flores" -o segundo livro de Bellatin que sai no Brasil, após "Salão de Beleza" (2007, Editora XXI, tradução de Maria Alzira Brum Lemos)- tem todos esses elementos. Nos 35 textos curtos aparecem mais de uma vez personagens como o cientista alemão Olaf Zumfelde, que seleciona quais meninos devem ou não receber indenização por causa da talidomida; os gêmeos Kuhn, monstros nascidos de uma relação incestuosa; e o Amante Outonal, que se traveste de anciã.
O escritor mexicano Álvaro Enrigue já notou que o procedimento conceitual de Bellatin tem traços comuns com os textos do barroco do séculos 17 e das vanguardas do século 20.
"Funcionam segundo a premissa de que a língua refresca a sua capacidade de entender o mundo quando produz um enfrentamento de ações que não havia ocorrido a ninguém associar", escreveu em 2003 numa resenha do livro "Perros Heróes".
O estranhamento dos textos de Bellatin (outro ponto em comum com o barroco e com as vanguardas) é a outra face dessa mesma estratégia: tirar o leitor da zona de conforto. Não há, porém, estridência no desconforto. O culto que Bellatin faz da imagem, elemento que foi buscar na literatura japonesa, transforma seus microcapítulos em uma espécie de instalação, que se contempla com um certo assombro. Pense num ikebana de desastres.
No capítulo "Flores de Laranjeira", ele narra as mutações genéticas dos gêmeos Kuhn e conclui: "No final desse processo, a sociedade costuma reconhecer que o anormal estava, de algum modo, destinado a transformar-se no esperado". A frase poderia servir para definir a literatura de Bellatin. (MCC)


FLORES

Autor: Mario Bellatin
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 39 (153 págs.)
Avaliação: bom




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