São Paulo, sábado, 20 de junho de 1998

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POLICIAL
"Negro e Amargo' brinca de gato e rato

EDSON FRANCO
Editor de Veículos

Em "Negro e Amargo Blues" -mais um lançamento da editora Record dedicado à literatura policial-, o autor norte-americano James Lee Burke brinca de gato e rato com o leitor.
São 333 páginas em que a trama, o comportamento dos protagonistas e os cenários se deslocam e levam o leitor de roldão.
Detalhista, o autor empresta do cinema e da literatura "noir" uma ênfase insistente no cenário. A estratégia dá certo quando se tem uma San Francisco como pano de fundo.
No caso da obra de Burke, a trama se passa nos pântanos da Louisiana e nos picos gelados de Montana. Nenhuma das duas locações chega a despertar o entusiasmo que estimulou o autor a empenhar quase 40% da obra na descrição de árvores, montanhas e lagos.
O deslocamento entre esses dois cenários parcos é o que há de menos interessante em "Negro e Amargo Blues".
Já o deslocamento e mudança de caráter dos personagens faz valer a pena o esforço para transpor o furor descritivo espalhado pela obra. É nesse ponto que a história começa, e a trama ganha corpo.
Fantasmas
Resumidamente, o livro conta a história de Dave Robicheaux, ex-policial que vive numa estação de pesca com uma menina salvadorenha que ele resgatara de um acidente.
Robicheaux viu sua mulher ser assassinada e acompanhou a morte do pai. Os fantasmas aparecem para atormentar, aconselhar e redimir o ex-policial.
São os autores involuntários das melhores reviravoltas e, por meio das reminiscências de Robicheaux, acabam imprimindo um tom proustiano à trama.
Essa relação do ex-policial com o passado ganha tanta importância que a história policial de fato acaba ficando em segundo plano.
Tanto é que os possíveis criminosos são revelados logo no início. Mas o autor reverte as coisas -seu maior mérito na obra- e se diverte levando o leitor para um jogo cuja meta é tentar descobrir qual crime teria sido cometido.
Para complicar, Burke envolve o ex-policial no crime por descobrir.
Pronto, quem chegou a esse ponto da história cai irremediavelmente na ratoeira armada pelo autor e só larga o livro na 333ª página.
A partir daí, começa um festival de virtuosismo narrativo que reveste de universalidade o mais trivial dos fatos.
Percebe-se então que "Negro e Amargo Blues" é um romance policial diferente.
No lugar do mistério, entra a angústia. Em vez do medo, a incerteza elevada à enésima potência.
As armas existem por todos os cantos, mas seus estampidos são escamoteados pelos disparos verbais. Na maioria das vezes, o leitor é poupado das cenas mais violentas.
E é preciso ter muita fé no taco narrativo para acobertar as passagens com altas doses de adrenalina em detrimento de mais uma descrição de panoramas bucólicos.
Mas nessa toada a obra vai até o fim, momento em que o leitor percebe que tem nas mãos um livro que é um grande representante da literatura policial. E o é muito mais pelo que sugere do que pelo que mostra.


Livro: Negro e Amargo Blues Autor: James Lee Burke Lançamento: Record Quanto: R$ 26 (333 págs.)


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