São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

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RÉPLICA

O público e o privado por trás do mico de Gaspari

TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em seu texto de 11 de julho a respeito do Museu de Arte Contemporânea, de Ciccillo e de mim, Elio Gaspari tem razão num ponto: o catálogo (de 2003, não de agora, como ele diz) de reabertura (em 2000) do MAC renovado deveria indicar a origem das obras reproduzidas. Foi uma falha. Como diretor à época, lamento-a. O resto desse texto é infame.
O que houve, ao contrário do que ele diz, foi uma dedicação plena à idéia de oferecer a melhor casa possível à arte vinda de Ciccillo e Yolanda mas também de Spanudis, da Bienal, do MAM, de tantos artistas, do próprio MAC. E a oferecemos. Honrar a obra de arte não é só mencionar em livro o nome do ex-dono: é dar-lhe as condições para cumprir seu papel ao vivo. Isso foi feito. E quem for ao museu verá o nome dos doadores.
A questão central desse artigo é a idéia de que Ciccillo e Yolanda erraram ao escolher a USP como parceira. É cíclico o retorno, público e privado, da discussão sobre o destino dos museus de arte em São Paulo. Por "público e privado" me refiro a duas situações: o choque entre privado e público na política cultural e o ato de levar a público algo que se aborda em particular.
Publicamente, o jornalista faz eco às lamúrias dos que não se conformam com o ato de Ciccillo e Yolanda, dois privados com espírito público, passando à pública USP a guarda de suas coleções, depois de fracassada a tentativa do casal com a iniciativa privada. Essa história quer assombrar a cidade há 40 anos. E pretende ignorar a realidade: dada a atual situação dos museus no país, a opção pela USP revelou-se a coisa certa. O único mico é o que puseram na mão de Gaspari.

Fusão dos museus
Em privado, e por iniciativa do privado, circula outra vez nestes mesmos dias a idéia de juntar alguns museus de arte, medida que, não resolvendo a questão pública da arte, resolveria o problema particular dos museus. Em 1998, no MAC, enfrentei situação análoga: os privados escolheram um local, lá situaram a coleção do MAC sem perguntar nada a ninguém e deram as cartas virtuais de um jogo que, então, ficou no virtual. Deve ser só coincidência o fato de que, com essa idéia de novo circulando em privado, apareça o artigo enviesado do jornalista sobre um catálogo lançado em 2003...
O sintoma é artificial, mas a questão por trás, real. O problema dos museus de São Paulo existe. Uns estão mal alojados ou situados. Outros têm problemas econômicos. Nenhum expandiu suas coleções como deveria. E as exposições que vêm de fora nem sempre são as melhores.
Mas apenas juntar museus não resolve. Pior ainda é juntá-los em prédios velhos, alheios à melhor arquitetura local e à melhor arquitetura contemporânea para museus. Fala-se, em privado, no Detran. Prédio igual, quer dizer, horrível, é o que o Stedelijk Museum está usando em Amsterdã como estacionamento temporário enquanto não apronta sua nova sede. Chega de remendos. Museu contemporâneo significa arquitetura contemporânea.
O público e o privado, isolados, não dão conta do problema. Juntar esforços -em certos casos à parte questões como propriedade das obras e especificidade de atuação- pode ser a alternativa. Desde que a dialética, ou o atrito, entre o Estado e o privado seja superada por um terceiro: a sociedade civil organizada, ainda inexistente para os museus. Se há papel para o Estado na cultura, ele que não pode e não deve produzir cultura, é o estímulo e o amparo ao surgimento de uma sociedade civil organizada para os museus, começando por uma discussão pública.
Melhor ainda se o estímulo for para a audácia na solução. Ainda se subestima, aqui, o papel do museu com formas contemporâneas na dinâmica social (lazer, educação, convivência) e econômica da cidade. Criar um museu-marco não é despesa, é investimento. Espanha, Japão, Estados Unidos, Argentina sabem disso.
Os preços na cidade são inacessíveis? Em qualquer ponto de um triângulo virtual entre São Paulo, Campinas, a serra do Mar e São José dos Campos caberia um vigoroso museu feito a partir de alguma combinação do que já existe. Em 2001 a Associação de Amigos do MAC conseguiu para o museu um terreno público e o projeto de um arquiteto que hoje constrói o novo museu de Atenas. Por 10% do custo propalado para outras iniciativas análogas. Não serve esse exemplo, por mil razões? Serve para uma coisa: mostrar que o caminho é viável. Com ousadia, publicidade (dar a público) e sociedade civil se resolvem alguns problemas -o do museu de arte, para começar.


Teixeira Coelho foi diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP de 1998 a 2002


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