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RÉPLICA
O público e o privado por trás do mico de Gaspari
TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em seu texto de 11 de julho a
respeito do Museu de Arte
Contemporânea, de Ciccillo e de
mim, Elio Gaspari tem razão num
ponto: o catálogo (de 2003, não de
agora, como ele diz) de reabertura
(em 2000) do MAC renovado deveria indicar a origem das obras
reproduzidas. Foi uma falha. Como diretor à época, lamento-a. O
resto desse texto é infame.
O que houve, ao contrário do
que ele diz, foi uma dedicação plena à idéia de oferecer a melhor casa possível à arte vinda de Ciccillo
e Yolanda mas também de Spanudis, da Bienal, do MAM, de tantos artistas, do próprio MAC. E a
oferecemos. Honrar a obra de arte
não é só mencionar em livro o nome do ex-dono: é dar-lhe as condições para cumprir seu papel ao
vivo. Isso foi feito. E quem for ao
museu verá o nome dos doadores.
A questão central desse artigo é
a idéia de que Ciccillo e Yolanda
erraram ao escolher a USP como
parceira. É cíclico o retorno, público e privado, da discussão sobre o destino dos museus de arte
em São Paulo. Por "público e privado" me refiro a duas situações:
o choque entre privado e público
na política cultural e o ato de levar
a público algo que se aborda em
particular.
Publicamente, o jornalista faz
eco às lamúrias dos que não se
conformam com o ato de Ciccillo
e Yolanda, dois privados com espírito público, passando à pública
USP a guarda de suas coleções,
depois de fracassada a tentativa
do casal com a iniciativa privada.
Essa história quer assombrar a cidade há 40 anos. E pretende ignorar a realidade: dada a atual situação dos museus no país, a opção
pela USP revelou-se a coisa certa.
O único mico é o que puseram na
mão de Gaspari.
Fusão dos museus
Em privado, e por iniciativa do
privado, circula outra vez nestes
mesmos dias a idéia de juntar alguns museus de arte, medida que,
não resolvendo a questão pública
da arte, resolveria o problema
particular dos museus. Em 1998,
no MAC, enfrentei situação análoga: os privados escolheram um
local, lá situaram a coleção do
MAC sem perguntar nada a ninguém e deram as cartas virtuais de
um jogo que, então, ficou no virtual. Deve ser só coincidência o fato de que, com essa idéia de novo
circulando em privado, apareça o
artigo enviesado do jornalista sobre um catálogo lançado em
2003...
O sintoma é artificial, mas a
questão por trás, real. O problema
dos museus de São Paulo existe.
Uns estão mal alojados ou situados. Outros têm problemas econômicos. Nenhum expandiu suas
coleções como deveria. E as exposições que vêm de fora nem sempre são as melhores.
Mas apenas juntar museus não
resolve. Pior ainda é juntá-los em
prédios velhos, alheios à melhor
arquitetura local e à melhor arquitetura contemporânea para
museus. Fala-se, em privado, no
Detran. Prédio igual, quer dizer,
horrível, é o que o Stedelijk Museum está usando em Amsterdã
como estacionamento temporário enquanto não apronta sua nova sede. Chega de remendos. Museu contemporâneo significa arquitetura contemporânea.
O público e o privado, isolados,
não dão conta do problema. Juntar esforços -em certos casos à
parte questões como propriedade
das obras e especificidade de
atuação- pode ser a alternativa.
Desde que a dialética, ou o atrito,
entre o Estado e o privado seja superada por um terceiro: a sociedade civil organizada, ainda inexistente para os museus. Se há papel
para o Estado na cultura, ele que
não pode e não deve produzir cultura, é o estímulo e o amparo ao
surgimento de uma sociedade civil organizada para os museus,
começando por uma discussão
pública.
Melhor ainda se o estímulo for
para a audácia na solução. Ainda
se subestima, aqui, o papel do
museu com formas contemporâneas na dinâmica social (lazer,
educação, convivência) e econômica da cidade. Criar um museu-marco não é despesa, é investimento. Espanha, Japão, Estados
Unidos, Argentina sabem disso.
Os preços na cidade são inacessíveis? Em qualquer ponto de um
triângulo virtual entre São Paulo,
Campinas, a serra do Mar e São
José dos Campos caberia um vigoroso museu feito a partir de alguma combinação do que já existe. Em 2001 a Associação de Amigos do MAC conseguiu para o
museu um terreno público e o
projeto de um arquiteto que hoje
constrói o novo museu de Atenas.
Por 10% do custo propalado para
outras iniciativas análogas. Não
serve esse exemplo, por mil razões? Serve para uma coisa: mostrar que o caminho é viável. Com
ousadia, publicidade (dar a público) e sociedade civil se resolvem
alguns problemas -o do museu
de arte, para começar.
Teixeira Coelho foi diretor do Museu de
Arte Contemporânea da USP de 1998 a
2002
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