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Crítica
Furtado faz comédia com aceno às contradições da produção nacional
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Moradores de uma comunidade do interior gaúcho reivindicam uma solução para o problema do esgoto. Na subprefeitura, são informados de que
não há verba para obras de saneamento, mas que há R$ 10
mil do governo federal para a
realização de um filme. Se ele
não for feito, a verba será devolvida. Fica resolvido, então: toma-se o dinheiro, faz-se o vídeo
com uma parte da verba e, com
o resto, realiza-se a obra.
A partir desse "plot" inusitado, Jorge Furtado constrói
mais uma comédia sofisticada,
que se desdobra em críticas ácidas à política e em um afetuoso
elogio à amizade. As contradições relativas à produção cinematográfica em um país subdesenvolvido e as idiossincrasias
do audiovisual brasileiro tornam-se um delicioso subtexto
em um tratamento só aparentemente ingênuo.
Furtado sempre se interessou por formas de dramaturgia
ao mesmo tempo sofisticadas e
comunicativas. Também recorrente em sua filmografia é a
busca de um formato contemporâneo para atualizar fórmulas consagradas. E aqui, mais do
que em qualquer outro de seus
filmes, a "história" é um mero
pretexto; muito mais importante é o "hipertexto" que
transforma a própria elaboração narrativa em personagem.
A estrutura do "hipertexto"
-palavras (e imagens) que remetem a outras- aproxima
"Saneamento Básico" do curta
"Ilha das Flores". Não por acaso, os protagonistas recorrem a
dicionários para procurar até
mesmo o significado de palavras conhecidas. Pouco importa que, para uma personagem
escolarizada como a de Fernanda Torres, pareça estranho
não saber o que significa "ficção". O que interessa é o jogo
narrativo -cômico, lúdico e referencial- que a cena produz.
Apesar da inspiração na
"commedia dell" arte", o tom
está muito próximo das comédias de Ettore Scola e Dino Risi.
"Saneamento Básico" critica
dois "motores" da contemporaneidade (a imagem e o dinheiro) com sabor de filme antigo.
SANEAMENTO BÁSICO
Direção: Jorge Furtado
Produção: Brasil, 2007
Com: Fernanda Torres, Wagner Moura,
Camila Pitanga e Bruno Garcia
Quando: a partir de hoje, no Cine Bombril, Espaço Unibanco e circuito
Avaliação: bom
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