São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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Crítica/"Mi Sueño" e "Flor de Amor"

Amor à cubana comove em discos

Último trabalho de Ibrahim Ferrer é testamento ao som de boleros; CD de Omara Portuondo tem tônica romântica

CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Muitos ouvintes já se encantaram com as emotivas interpretações de Ibrahim Ferrer (1927-2005) e Omara Portuondo, desde que esses veteranos da música cubana surgiram no cenário internacional, uma década atrás. O veículo dessa revelação tardia foi o álbum coletivo "Buena Vista Social Club" (1997), fenômeno de vendas que os transformou em astros mundiais e inspirou o documentário homônimo do alemão Wim Wenders. Gravações desses e de outros artistas cubanos vão ganhar edições brasileiras graças a um recente acordo entre a gravadora inglesa World Circuit e a nacional MCD. Os primeiros produtos da parceria já estão disponíveis nas lojas: o aqui inédito "Mi Sueño", último álbum gravado por Ferrer, além da reedição do CD "Flor de Amor", de Omara Portuondo.
Bem apropriado para um disco de românticos boleros, o título "Mi Sueño" (meu sonho) refere-se, na verdade, a uma frustração que Ferrer carregou durante décadas. Embora adorasse cantar boleros, seu timbre de tenor costumava ser rejeitado por produtores convencionais, para os quais esse gênero de canção devia ser reservado aos barítonos. "Eles diziam que minha voz não era boa, que não era masculina o suficiente (para cantar bolero), mas, graças ao "Buena Vista", um caminho se abriu à minha frente", contou, pouco antes de morrer, Ferrer, que chegou a engraxar sapatos para sobreviver. Até ser tirado do ostracismo, com o álbum "Buena Vista Social Club", Ferrer só era conhecido em Cuba por um círculo restrito de admiradores de seu estilo vocal.
Ironicamente, anos depois, Ferrer não conseguiu ver realizado seu sonho de gravar um álbum de boleros: quando morreu, em agosto de 2005, ainda faltavam três semanas para o término das gravações de "Mi Sueño". Mesmo assim, teve tempo para expressar o desejo de que o álbum fosse finalizado a partir de uma fita-demo com boas condições técnicas.
Quem conhece "Ibrahim Ferrer" (1999) e "Buenos Hermanos" (2003), os primeiros CDs individuais do cantor, vai logo sentir a diferença. Os arranjos exuberantes de antes, com ênfase na percussão, foram trocados por arranjos mais sintéticos. A base instrumental é um trio comandado pelo talentoso pianista Roberto Fonseca, que destaca também os veteranos Orlando "Cachaito" López (baixo acústico) e Ramses Rodrigues (bateria).
A jazzística introdução desenhada pelo pianista em "Dos Almas" (de Don Fabián), o bolero que abre o CD, antecipa a abordagem que norteia todo o álbum. Em outras faixas, o som do trio é colorido levemente por alguns instrumentos: harpa e um pequeno naipe de cordas, em "Si Te Contara" (Felix Reina) e "Quiéreme Mucho" (Agustin Rodrigues e Gonzalo Roig); guitarra, clarinete e trompete, na dançante "Copla Guajira" (Agustin Lara).
Já a releitura do clássico bolero "Quizás, Quizás" (Osvaldo Farrés) é levada em andamento lento. Num duo discreto, sem derramamentos emotivos, as vozes de Ferrer e da convidada Portuondo têm companhia apenas do piano de Fonseca.
O peso dos 78 anos vividos por Ferrer, que roubaram um pouco do brilho e da extensão de sua voz, não o impedem de interpretar as 12 canções com o máximo de sentimento e elegância. Se algum dos três discos individuais que ele gravou após "Buena Vista Social Club" pode ser considerado como seu testamento musical, este certamente é "Mi Sueño".

Brasileiros
Omara Portuondo, que lançou em março último um CD em parceria com Maria Bethânia, também esbanja elegância em "Flor de Amor" (2004). Este álbum, que oficializou seu namoro com a música brasileira, já havia sido lançado aqui anteriormente pela Warner.
Com cinco faixas produzidas por Alê Siqueira, incluindo participações dos brasileiros Swami Jr. (violão), Nailor Proveta (clarinete) e Toninho Ferragutti (acordeon), além dos cubanos Roberto Fonseca, "Cachaito" López e Ramses Rodrigues, "Flor de Amor" exibe diversos ritmos e gêneros musicais cubanos mais ou menos dançantes, como o chá-chá-chá, o son, a guajira e o danzón, além do tradicional bolero. Mesmo assim, a tônica do álbum é bem romântica.

MI SUEÑO
Artista: Ibrahim Ferrer
Gravadora: World Circuit/MCD
Quanto: R$ 29, em média
Avaliação: ótimo

FLOR DE AMOR
Artista: Omara Portuondo
Gravadora: World Circuit/MCD
Quanto: R$ 29, em média
Avaliação: bom


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