São Paulo, segunda-feira, 20 de julho de 2009

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Xerife lucra vendendo ilusão

RONALDO LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Uma pesquisa recente feita na Inglaterra mostrou que o compartilhamento de arquivos está diminuindo entre os jovens daquele país. Após anos de crescimento ininterrupto, finalmente surgem sinais de mudança.
O fato merece uma reflexão. Teriam os juízes e a lei inglesa se tornado implacáveis? Será que a criação de empresas como a Web Sheriff estaria produzindo resultados? Os consumidores ingleses de repente mudaram seus hábitos, intimidados por campanhas antipirataria? Ou será que finalmente começaram a surgir novos serviços que, do ponto de vista econômico, competem com os serviços ilegais?
Ganha um download gratuito quem respondeu a última alternativa. A pesquisa mostrou que o fator determinante para a redução da pirataria foi o surgimento de serviços de distribuição de música que fazem sentido para os consumidores digitais. Serviços como o Spotify ou o We7, que possuem catálogo vasto e oferecem a possibilidade de ouvir a música de forma conveniente, imediata e barata.
Isso mostra algo que já era óbvio desde o final da década de 90: o problema da pirataria não será resolvido no campo da lei, da polícia, ou da repressão privada. Ele será resolvido no campo econômico. Através do surgimento de serviços que ofereçam catálogo ilimitado, preço baixo, assinaturas e portabilidade total da música. "It's the economy, stupid!" (é a economia, estúpido).
Enquanto a mudança econômica não acontece, continua a surgir espaço para empreitadas como a da Web Sheriff, que não está sozinha no ramo da luta contra a pirataria na internet. Junto com outras empresas de nome igualmente intimidador, como a Media Defender (defensora) ou a Media Sentry (sentinela), ela representa um tipo de negócio que vem lucrando alto com a venda do impossível. Vendem a fantasia de que o mundo pode voltar 15 anos no tempo, quando a realidade econômica da informação era diferente.
De que o problema dos downloads na internet pode ser resolvido com a radicalização da repressão. É como contratar um brutamontes para sair nas ruas de uma grande metrópole. Pode gerar uma sensação de segurança, mas não reduz em nada a violência urbana.

Privatização
Além disso, preocupa a tendência de privatização do combate à pirataria, criando a figura de justiceiros privados na rede, levando a considerações sobre a legalidade e legitimidade desses esforços.
A Media Defender, por exemplo, vem sendo acusada de utilizar ferramentas de legalidade duvidosa: ataques de negação de serviço, utilização de arquivos falsos, dentre outras.
O efeito dessas empresas tem muito mais a ver com marketing do que com resultados globais. Por um lado disseminam intimidação com relação aos usuários. Por outro, vendem a artistas e gravadoras a esperança de "contenção" dos piratas.
Enquanto não se investir de fato em alternativas econômicas para a música em sintonia com a realidade dos seus consumidores, o dinheiro vai tilintar mais no cofre dos vigilantes do que no dos seus fregueses.

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