São Paulo, segunda-feira, 20 de julho de 2009

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Opinião

Para que serve uma praça? Para que serve um jornal?

MAURÍCIO PARONI DE CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estive envolvido em duas reportagens recentes da Ilustrada ("A praça da balada", de 12.07, e "Cultura exibe série com sexo, nudez e palavrão", de 3.07) de abordagem anacrônica.
Sem polêmica: só trago à luz informações essenciais para evitar um viés critico inflado de ares moralistas.
Na reportagem sobre a praça Roosevelt, há um mapa com edifícios obliterados onde haverá uma escola de teatro para quem não pode pagar escola; qualquer elitismo etílico se extingue com isso.
A parte da praça não demolida pela demora na licitação da obra (também ausente do mapa) abriga excluídos. Provavelmente ali estudarão para contar as suas histórias.
Este foi o começo da efervescência da praça, é a singularidade do começo dos Satyros, é a matéria-prima dos espetáculos. O lugar é democrático. Ouso ilimitadamente em todos os espetáculos ali, sem prejuízo de público. Pode-se produzir com custo baixo, há encontro de artistas dispostos a experiências singulares.
Isso também incentiva o auto-fetichizar-se do que chamo da "lumpen-burguesia vilamadalenosa" em algumas mesas da praça. Mas evocar a história de uma suposta atriz desmaiada e aplaudida pela embriaguez como fundamento crítico de um texto esvazia qualquer censura, pretendida ou não. A Baco o devido respeito: ele vive até em pseudo-atrizes desprovidas de consciência mitológica.
Na reportagem sobre a série da Cultura, a tecnologia utilizada pelo diretor possibilitou a renúncia de um roteiro tradicional. Pesquisar é risco, é uso do novo como meio, é interação com o contexto. Os suportes foram os atores, suas biografias e personagens.
Começou-se com o autor teatral Marivaux. Coerente com a minha caretice, idolatro o que escreveu sobre o amor. Mas trabalhar com Beto Brant em si é colocar-se em discussão, e o nosso propósito era o de pesquisar. Conduzimos a ideia até Schianberg, figura do livro de Marçal Aquino que nos apresentou o desafio de um "pathos" amoroso incompatível com a convenção formal.
Compaixão sofrida, que exige uma gramática orientada de dentro para fora das pessoas envolvidas. De dentro dos protagonistas para a cidade. Apenas incidentalmente a trajetória passa pela nudez. Escolhemos a ausência de um roteiro convencional. Deixamos de lado as cenas já escritas no papel.
Michelangelo ensinou que o seu David era a ausência do excesso de mármore. Desligado o interruptor da significação, a cenografia vira ambiente, a iluminação vira luz, a fala vira conversa, a lágrima vira pranto, a pessoa vira personagem.
Mas tudo permaneceu: encontro, desencontro, respeito, solidão, isolamento, reconhecimento, evolução da relação amorosa e percurso do real ao imaginário de dois seres na produção de uma obra de arte, ao final realizada.
É muito difícil formular ideias precisas sobre qualquer coisa na complexidade cultural brasileira. Mas ainda bem que se pode publicar este artigo (para que serve um jornal?), que existem as contradições da praça Roosevelt (para que serve uma praça?), que há possibilidade de se experimentar com liberdade (para que serve uma TV não-comercial?).
Na Europa, nem de longe me deixariam fazer qualquer coisa desse quilate.


MAURÍCIO PARONI DE CASTRO, 48, é diretor do Atelier de Manufactura Suspeita e roteirista de "O Amor Segundo B. Schianberg"

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