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Opinião
Para que serve uma praça? Para que serve um jornal?
MAURÍCIO PARONI DE CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estive envolvido em duas
reportagens recentes
da Ilustrada ("A praça
da balada", de 12.07, e "Cultura
exibe série com sexo, nudez e
palavrão", de 3.07) de abordagem anacrônica.
Sem polêmica: só trago à luz
informações essenciais para
evitar um viés critico inflado de
ares moralistas.
Na reportagem sobre a praça
Roosevelt, há um mapa com
edifícios obliterados onde haverá uma escola de teatro para
quem não pode pagar escola;
qualquer elitismo etílico se extingue com isso.
A parte da praça não demolida pela demora na licitação da
obra (também ausente do mapa) abriga excluídos. Provavelmente ali estudarão para contar as suas histórias.
Este foi o começo da efervescência da praça, é a singularidade do começo dos Satyros, é
a matéria-prima dos espetáculos. O lugar é democrático. Ouso ilimitadamente em todos os
espetáculos ali, sem prejuízo
de público. Pode-se produzir
com custo baixo, há encontro
de artistas dispostos a experiências singulares.
Isso também incentiva o auto-fetichizar-se do que chamo
da "lumpen-burguesia vilamadalenosa" em algumas mesas
da praça. Mas evocar a história
de uma suposta atriz desmaiada e aplaudida pela embriaguez
como fundamento crítico de
um texto esvazia qualquer censura, pretendida ou não. A Baco o devido respeito: ele vive
até em pseudo-atrizes desprovidas de consciência mitológica.
Na reportagem sobre a série
da Cultura, a tecnologia utilizada pelo diretor possibilitou a
renúncia de um roteiro tradicional. Pesquisar é risco, é uso
do novo como meio, é interação com o contexto. Os suportes foram os atores, suas biografias e personagens.
Começou-se com o autor
teatral Marivaux. Coerente
com a minha caretice, idolatro
o que escreveu sobre o amor.
Mas trabalhar com Beto Brant
em si é colocar-se em discussão, e o nosso propósito era o
de pesquisar. Conduzimos a
ideia até Schianberg, figura do
livro de Marçal Aquino que nos
apresentou o desafio de um
"pathos" amoroso incompatível com a convenção formal.
Compaixão sofrida, que exige uma gramática orientada de
dentro para fora das pessoas
envolvidas. De dentro dos protagonistas para a cidade. Apenas incidentalmente a trajetória passa pela nudez. Escolhemos a ausência de um roteiro
convencional. Deixamos de lado as cenas já escritas no papel.
Michelangelo ensinou que o
seu David era a ausência do excesso de mármore. Desligado o
interruptor da significação, a
cenografia vira ambiente, a iluminação vira luz, a fala vira
conversa, a lágrima vira pranto,
a pessoa vira personagem.
Mas tudo permaneceu: encontro, desencontro, respeito,
solidão, isolamento, reconhecimento, evolução da relação
amorosa e percurso do real ao
imaginário de dois seres na
produção de uma obra de arte,
ao final realizada.
É muito difícil formular
ideias precisas sobre qualquer
coisa na complexidade cultural
brasileira. Mas ainda bem que
se pode publicar este artigo
(para que serve um jornal?),
que existem as contradições da
praça Roosevelt (para que serve uma praça?), que há possibilidade de se experimentar com
liberdade (para que serve uma
TV não-comercial?).
Na Europa, nem de longe me
deixariam fazer qualquer coisa
desse quilate.
MAURÍCIO PARONI DE CASTRO, 48, é diretor
do Atelier de Manufactura Suspeita e roteirista
de "O Amor Segundo B. Schianberg"
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