São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2010

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MinC quer licença à revelia de herdeiro

Texto da reforma da lei de direito autoral tem proposta concebida para evitar obstáculos criados por parentes

Inconstitucional para alguns, item prevê que presidente autorize "quebra de patente autoral" na cultura


DE SÃO PAULO

O anteprojeto de reforma da lei de direito autoral elaborado pelo MinC (Ministério da Cultura), que está em consulta pública, abriga um controverso capítulo concebido com a intenção de evitar que disputas e abusos de herdeiros impeçam a difusão de obras relevantes para a cultura do país.
Pela proposta, interessados na exploração de uma obra podem requerer ao governo em casos excepcionais uma "licença não voluntária" -ou seja, à revelia do titular do direito autoral.
A solicitação, restrita aos que comprovarem ter capacidade técnica e econômica de explorar a obra, seria encaminhada ao presidente da República, que decidiria pela concessão da licença após análise de parecer do MinC.
Os herdeiros continuariam sendo remunerados pelos direitos autorais, mas o valor seria fixado pelo MinC com base em valores de mercado.

SOB MEDIDA
Segundo o diretor de Direitos Intelectuais do MinC, Marcos Souza, a sugestão foi incluída no texto após seguidas queixas do mercado editorial e de artes plásticas, surgidas durante o debate da reforma da lei, de que herdeiros impõem obstáculos "não razoáveis" à divulgação da obras de autores já mortos.
Nas duas áreas, são conhecidos casos de conflitos com herdeiros (entre si ou com o mercado) que impedem ou retardam o acesso público à obra dos ascendentes.
Recentemente, exigências conceituais e financeiras por parte da associação que detém os direitos sobre a obra de Lygia Clark (dirigida por filho da artista) fizeram com que a Bienal de São Paulo desistisse de incluir na mostra uma homenagem a ela.
Situação semelhante envolveu os herdeiros de Alfredo Volpi. Na literatura, são conhecidos os casos de Monteiro Lobato, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.
A questão posta é se o direito do autor -garantido por tratados internacionais, pela Constituição e pela lei do direito autoral, e por todas estendido aos herdeiros- pode se sobrepor ao caráter público do patrimônio cultural. No entender do MinC, há casos em que o acesso público à cultura vale mais.
Marcos Souza argumenta que os pedidos se restringiriam aos mercados de literatura e artes plásticas e que o texto inclui ritos para impedir a banalização da concessão da licença.

INCONSTITUCIONAL?
Os críticos alegam que o projeto é inconstitucional. "Existe o risco de depois a lei ser derrubada no Supremo, porque o direito do autor é protegido pela Constituição", diz o professor da USP Antonio Carlos Morato.
O MinC diz que, segundo a Carta Magna, o direito autoral também tem que atender à função social da propriedade, o que garantiria a validade jurídica da proposta. É mesma posição do advogado Guilherme Carboni.
Professora titular de direito civil da USP, Silmara Chinelato avalia que "a inconstitucionalidade não é clara". "Na licença haverá pagamento e ela não será concedida se forem invocados direitos morais de autor, como o de inédito (conservar a obra inédita) e o de arrependimento (se o autor não avalizar mais o que escreveu ou a obra que criou)."

VALOR SUBJETIVO
"Há, no entanto", acrescenta, "problema de difícil solução, que é o valor a ser arbitrado para a obra, pois não há "preço de mercado", como considera a proposta. Cada autor coloca o valor pecuniário em sua obra; não há como uniformizar preços."
Os herdeiros atacam. "É o cúmulo do estatismo", diz Alexandre Teixeira, neto de Cecilia Meireles. "É uma pirataria", diz Álvaro Clark, filho de Lygia.
Para o MinC, a proposta é como uma quebra de patente, só que no direito intelectual. "A lei de propriedade industrial já tem esse dispositivo. O que comumente se chama de quebra de patente é uma licença não voluntária", diz Marcos Souza.
Na avaliação do diretor do MinC, o caso da briga entre a família de Cecilia Meireles é um destes e seria passível de solicitação de licença.
Silmara Chinelato discorda, por entender que poderia haver choque entre os poderes: "Enquanto a questão não tiver sido julgada pelo Judiciário, não cabe licença compulsória". (FABIO VICTOR)

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