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MinC quer licença à revelia de herdeiro
Texto da reforma da lei de direito autoral tem proposta concebida para evitar obstáculos criados por parentes
Inconstitucional para alguns, item prevê que presidente autorize "quebra de patente autoral" na cultura
DE SÃO PAULO
O anteprojeto de reforma
da lei de direito autoral elaborado pelo MinC (Ministério
da Cultura), que está em consulta pública, abriga um controverso capítulo concebido
com a intenção de evitar que
disputas e abusos de herdeiros impeçam a difusão de
obras relevantes para a cultura do país.
Pela proposta, interessados na exploração de uma
obra podem requerer ao governo em casos excepcionais
uma "licença não voluntária" -ou seja, à revelia do titular do direito autoral.
A solicitação, restrita aos
que comprovarem ter capacidade técnica e econômica de
explorar a obra, seria encaminhada ao presidente da
República, que decidiria pela
concessão da licença após
análise de parecer do MinC.
Os herdeiros continuariam
sendo remunerados pelos direitos autorais, mas o valor
seria fixado pelo MinC com
base em valores de mercado.
SOB MEDIDA
Segundo o diretor de Direitos Intelectuais do MinC,
Marcos Souza, a sugestão foi
incluída no texto após seguidas queixas do mercado editorial e de artes plásticas,
surgidas durante o debate da
reforma da lei, de que herdeiros impõem obstáculos "não
razoáveis" à divulgação da
obras de autores já mortos.
Nas duas áreas, são conhecidos casos de conflitos com
herdeiros (entre si ou com o
mercado) que impedem ou
retardam o acesso público à
obra dos ascendentes.
Recentemente, exigências
conceituais e financeiras por
parte da associação que detém os direitos sobre a obra
de Lygia Clark (dirigida por
filho da artista) fizeram com
que a Bienal de São Paulo desistisse de incluir na mostra
uma homenagem a ela.
Situação semelhante envolveu os herdeiros de Alfredo Volpi. Na literatura, são
conhecidos os casos de Monteiro Lobato, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.
A questão posta é se o direito do autor -garantido
por tratados internacionais,
pela Constituição e pela lei
do direito autoral, e por todas
estendido aos herdeiros-
pode se sobrepor ao caráter
público do patrimônio cultural. No entender do MinC, há
casos em que o acesso público à cultura vale mais.
Marcos Souza argumenta
que os pedidos se restringiriam aos mercados de literatura e artes plásticas e que o
texto inclui ritos para impedir a banalização da concessão da licença.
INCONSTITUCIONAL?
Os críticos alegam que o
projeto é inconstitucional.
"Existe o risco de depois a lei
ser derrubada no Supremo,
porque o direito do autor é
protegido pela Constituição", diz o professor da USP
Antonio Carlos Morato.
O MinC diz que, segundo a
Carta Magna, o direito autoral também tem que atender
à função social da propriedade, o que garantiria a validade jurídica da proposta. É
mesma posição do advogado
Guilherme Carboni.
Professora titular de direito civil da USP, Silmara Chinelato avalia que "a inconstitucionalidade não é clara".
"Na licença haverá pagamento e ela não será concedida se forem invocados direitos morais de autor, como o
de inédito (conservar a obra
inédita) e o de arrependimento (se o autor não avalizar mais o que escreveu ou a
obra que criou)."
VALOR SUBJETIVO
"Há, no entanto", acrescenta, "problema de difícil
solução, que é o valor a ser
arbitrado para a obra, pois
não há "preço de mercado",
como considera a proposta.
Cada autor coloca o valor pecuniário em sua obra; não há
como uniformizar preços."
Os herdeiros atacam. "É o
cúmulo do estatismo", diz
Alexandre Teixeira, neto de
Cecilia Meireles. "É uma pirataria", diz Álvaro Clark, filho
de Lygia.
Para o MinC, a proposta é
como uma quebra de patente, só que no direito intelectual. "A lei de propriedade industrial já tem esse dispositivo. O que comumente se chama de quebra de patente é
uma licença não voluntária",
diz Marcos Souza.
Na avaliação do diretor do
MinC, o caso da briga entre a
família de Cecilia Meireles é
um destes e seria passível de
solicitação de licença.
Silmara Chinelato discorda, por entender que poderia
haver choque entre os poderes: "Enquanto a questão
não tiver sido julgada pelo
Judiciário, não cabe licença
compulsória".
(FABIO VICTOR)
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