São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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BIA ABRAMO

Ovos, tomates e votos

A vocação da MTV é publicitária, e aí temos um problema com essas campanhas cidadãs

A MTV botou no ar uma campanha (leia-se: vinhetas de cerca de um minuto nos intervalos da programação) a propósito das eleições. O tom é crítico, tanto em relação ao governo quanto em relação à oposição, e algo agressivo ("prepare seu saco, os ovos e os tomates"). Entidades estudantis (UNE e Ubes) interpretaram que a emissora estaria conclamando ao voto nulo e fizeram uma carta aberta.
Embora a reação de UNE e Ubes tenha algo de paranóica -a MTV não fala em voto nulo, e sim sugere que a campanha eleitoral vai ser de uma chatice ímpar- e a paranóia quase sempre seja indicativa de um grande e profundo medo de revelação, não interessa aqui discutir se há alguém com maior ou menor razão.
Afinal, trata-se do confronto entre duas posições políticas legítimas no sistema democrático e é isso que interessa, no fundo, certo? O que parece que pode ser um objeto mais rico de discussão são os formatos utilizados por um e outro lado nesse conflito de opiniões. A MTV, bem ou mal, tornou-se uma espécie de laboratório de experimentação da linguagem televisiva "jovem" que pode ser absorvida e utilizada pelo mercado mais amplo de publicidade.
No fundo, por ampliada que tenha sido a programação nesses 25 anos, a vocação da MTV é original e profundamente publicitária, e aí temos um problema com essas campanhas cidadãs. Quando a discussão é mais ou menos simples e unânime, como no caso do uso da camisinha para prevenir o vírus HIV (ok, a Igreja Católica é contra, alguns pais se arrepiam, muitos jovens hesitam na hora de usar, mas há mais consenso do que dissenso), o tom impositivo da propaganda funciona.
A propaganda, por definição, reduz o mundo a proposições simples. Como a MTV está combatendo a propaganda eleitoral com o mesmo armamento, trata-se de jogar querosene para combater o fogo.
Já as entidades estudantis falam a linguagem do alarme e da indignação. Atropelaram o sentido "rebelde" dos filmetes e viram um caráter negativista que não estava exatamente lá. Ao mesmo tempo em que atribuem à MTV um peso exagerado, exigem uma circunspecção que a emissora não tem a menor obrigação de observar. Pareceria piada, se tivesse alguma graça. De um lado, a MTV com suas armas sofisticadas de propaganda.
De outro, entidades estudantis com seus métodos tradicionais de manifestação. No meio disso tudo, jovens sendo disputados a tapa por uns e outros. O de sempre.


biabramo.tv@uol.com.br

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