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COMIDA
Direto do produtor
Consumidor vai ao campo para buscar informações sobre os alimentos e entra em contato com pequenos produtores em projeto criado por chef italiano
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Com as praticidades da vida
urbana, o vínculo com os alimentos que comemos se perdeu. É como se legumes, verduras e carnes nascessem nas
gôndolas do supermercado,
prontos para levar para casa.
De onde vêm, como são produzidos e por quem, a maioria dos
consumidores não faz ideia.
Foi numa tentativa de reconectar esse elo que nasceu, há
dois anos, um projeto para
aproximar pequenos produtores e consumidores em torno
de um ingrediente. Em um
dos encontros, o chef Sauro
Scarabotta, 44, abriu as portas
de seu restaurante, o Friccó,
para um mestre-queijeiro da
Paulocapri fabricar queijinhos
frescos "na cara do cliente".
O projeto se desdobrou, e
agora é o consumidor quem vai
ao encontro do produtor... no
campo. Depois de um "piloto"
na propriedade do horticultor
Luís Yano, que planta uma
grande variedade de verduras
não convencionais, o "Piquenique do Friccó" levou recentemente um grupo de clientes a
dois pequenos produtores de
cogumelos shiitake, em Mogi
das Cruzes (51 km de São
Paulo). Na próxima semana, a
visita será a uma criação de javalis, localizada em Araçariguama (50 km de São Paulo).
"Quem vive em cidade grande raramente tem ligação com
o campo. Conhecer quem
produz o que ingerimos é prazeroso e ajuda a nos reconectar
com a terra", diz Scarabotta.
"É um pouco a filosofia do
Slow Food, de fazer as coisas
com mais calma, de ir direto à
fonte sempre que possível e do
preceito do justo, do respeito
com o ambiente e com as pessoas. Os clientes voltam valorizando mais o produto. Entendem porque os ingredientes
têm o custo que têm, veem o
trabalho que dá plantar e criar."
Na visita aos produtores de
shiitake acompanhada pela reportagem da Folha, o momento de maior encantamento foi a
possibilidade de colher os próprios cogumelos. Embora houvesse bandejas prontas para levar para casa, ninguém abriu
mão de circular entre as pilhas
de carvalho japonês para coletar os shiitakes mais bonitos.
"Quando a gente for pagar o
cogumelo agora, vai achar até
barato. É uma trabalheira", diz
a jornalista Lucíola Vignola, 63.
Da colheita ao prato
Depois de colher e aprender
as diferenças entre um shiitake
cultivado em kunugui (tora de
carvalho japonês) e um plantado em "panetone" (em que os
micélios, as "sementinhas", são
inoculados num bloco de serragem), vem a degustação.
Num bosque rodeado por pilhas de carvalho japonês, o chef
do Friccó serviu um menu
composto por shiitake em
várias versões, de um antepasto
com o ingrediente cru, queijo
feta e rúcula a uma polenta com
ragu de galinha-d'angola, cogumelos e favas frescas.
"Tenho necessidade de sair
da rotina. O que me pegou foi a
palavra piquenique. Ainda mais
sabendo que ia ter vinho", diz
Elaine Kovac, 48, diretora de
recursos humanos, satisfeita ao
descobrir que, mesmo em pleno campo, poderia degustar a
bebida em taças adequadas.
Dos cogumelos aos javalis
A próxima parada do projeto
desenvolvido por Scarabotta e
pela mulher, Rita, será em uma
pequena empresa que cria javalis, a Temra. A imersão incluirá
informações sobre a dieta do
animal, os tipos de corte e também o processo de produção
dos embutidos, que poderá ser
acompanhado de perto.
"Vamos falar sobre a produção justamente para o consumidor distinguir o joio do trigo.
E faremos a linguiça de javali,
que será degustada no mesmo
dia, no almoço [assada na brasa]", diz Teresa Fleury de Alvarenga, 49, sócia e diretora comercial da Temra. "As grandes
indústrias precisam fazer um
produto de custo baixo, e a qualidade cai junto. Mas há clientes dispostos a pagar mais
desde que tenham uma contrapartida, a da confiança no produto e no produtor."
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