São Paulo, quinta-feira, 20 de agosto de 2009

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COMIDA

Direto do produtor

Consumidor vai ao campo para buscar informações sobre os alimentos e entra em contato com pequenos produtores em projeto criado por chef italiano

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com as praticidades da vida urbana, o vínculo com os alimentos que comemos se perdeu. É como se legumes, verduras e carnes nascessem nas gôndolas do supermercado, prontos para levar para casa. De onde vêm, como são produzidos e por quem, a maioria dos consumidores não faz ideia.
Foi numa tentativa de reconectar esse elo que nasceu, há dois anos, um projeto para aproximar pequenos produtores e consumidores em torno de um ingrediente. Em um dos encontros, o chef Sauro Scarabotta, 44, abriu as portas de seu restaurante, o Friccó, para um mestre-queijeiro da Paulocapri fabricar queijinhos frescos "na cara do cliente".
O projeto se desdobrou, e agora é o consumidor quem vai ao encontro do produtor... no campo. Depois de um "piloto" na propriedade do horticultor Luís Yano, que planta uma grande variedade de verduras não convencionais, o "Piquenique do Friccó" levou recentemente um grupo de clientes a dois pequenos produtores de cogumelos shiitake, em Mogi das Cruzes (51 km de São Paulo). Na próxima semana, a visita será a uma criação de javalis, localizada em Araçariguama (50 km de São Paulo).
"Quem vive em cidade grande raramente tem ligação com o campo. Conhecer quem produz o que ingerimos é prazeroso e ajuda a nos reconectar com a terra", diz Scarabotta.
"É um pouco a filosofia do Slow Food, de fazer as coisas com mais calma, de ir direto à fonte sempre que possível e do preceito do justo, do respeito com o ambiente e com as pessoas. Os clientes voltam valorizando mais o produto. Entendem porque os ingredientes têm o custo que têm, veem o trabalho que dá plantar e criar."
Na visita aos produtores de shiitake acompanhada pela reportagem da Folha, o momento de maior encantamento foi a possibilidade de colher os próprios cogumelos. Embora houvesse bandejas prontas para levar para casa, ninguém abriu mão de circular entre as pilhas de carvalho japonês para coletar os shiitakes mais bonitos.
"Quando a gente for pagar o cogumelo agora, vai achar até barato. É uma trabalheira", diz a jornalista Lucíola Vignola, 63.

Da colheita ao prato
Depois de colher e aprender as diferenças entre um shiitake cultivado em kunugui (tora de carvalho japonês) e um plantado em "panetone" (em que os micélios, as "sementinhas", são inoculados num bloco de serragem), vem a degustação.
Num bosque rodeado por pilhas de carvalho japonês, o chef do Friccó serviu um menu composto por shiitake em várias versões, de um antepasto com o ingrediente cru, queijo feta e rúcula a uma polenta com ragu de galinha-d'angola, cogumelos e favas frescas.
"Tenho necessidade de sair da rotina. O que me pegou foi a palavra piquenique. Ainda mais sabendo que ia ter vinho", diz Elaine Kovac, 48, diretora de recursos humanos, satisfeita ao descobrir que, mesmo em pleno campo, poderia degustar a bebida em taças adequadas.

Dos cogumelos aos javalis
A próxima parada do projeto desenvolvido por Scarabotta e pela mulher, Rita, será em uma pequena empresa que cria javalis, a Temra. A imersão incluirá informações sobre a dieta do animal, os tipos de corte e também o processo de produção dos embutidos, que poderá ser acompanhado de perto.
"Vamos falar sobre a produção justamente para o consumidor distinguir o joio do trigo. E faremos a linguiça de javali, que será degustada no mesmo dia, no almoço [assada na brasa]", diz Teresa Fleury de Alvarenga, 49, sócia e diretora comercial da Temra. "As grandes indústrias precisam fazer um produto de custo baixo, e a qualidade cai junto. Mas há clientes dispostos a pagar mais desde que tenham uma contrapartida, a da confiança no produto e no produtor."


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