São Paulo, sábado, 20 de agosto de 2011

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Cildo Meireles opõe rios e gargalhadas

Artista grava um disco em que compila sons de cursos d'água de um lado e uma composição de risos do outro

Duas salas, uma toda metálica e outra escura, servem de ambiente para a execução do som agora no Itaú Cultural


SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Quando chegou a Formosa, perto de Brasília, Cildo Meireles decidiu inverter todo o curso de seu projeto. Era para usar o som dos rios, numa gravação que ia de suas nascentes quase inaudíveis até a explosão da pororoca.
Mas lá o artista viu que o fio d'água que vira depois o São Francisco foi aterrado na construção de um bingo.
"É a morte que acaba dentro do poço", conta Meireles à Folha. Sua composição então começa no barulho ensurdecedor da pororoca e acaba em pingos no poço, que ele chama de "estertores do rio".
Na mostra que abre agora no Itaú Cultural, Meireles dá corpo a uma ideia de mais de 30 anos. Ele escreveu num caderno o palíndromo "rio oir", mistura de curso d'água e o verbo "rir" conjugado na primeira pessoa com a palavra espanhola para "ouvir".
Num LP, ele decidiu gravar de um lado o som dos maiores rios brasileiros, Amazonas, São Francisco e Paraná. Do outro, orquestrou uma composição de gargalhadas.
"Acabou virando um contraponto dessa tragédia que é a morte dos rios", diz Meireles. "Fica entre essa coisa solene, grande dos rios e a distensão que os risos têm."
Também contrapõe a placidez de um lugar como Águas Emendadas, estação ecológica nos arredores da capital federal onde nascem as maiores bacias hidrográficas do país, e a fúria dos rios desaguando no Atlântico.
Mas Meireles quer ilustrar esse contraste só com o som. Se dependesse dele, não haveria toda a estrutura montada no espaço como acessório de sua aventura sonora.
São duas salas encalacradas, uma abraçando a outra em contraste absoluto. Um lado do disco toca num ambiente metálico, como se evocasse o espelho d'água do rio, enquanto o outro toca numa escuridão que forra o riso.
"Todos querem sempre privilegiar a vista, a civilização ocidental é muito imagética", diz ele. "Mas minha intenção era ter esse arquivo sonoro."
No fim, Meireles esconde a paisagem para escutar seu estrondo no mar ou a morte calada no subsolo de um bingo.

CILDO MEIRELES
QUANDO abre hoje, às 12h; de ter. a sex., das 9h às 20h; sáb. e dom., das 11h às 20h; até 2/10
ONDE Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 0/xx/11/2168-1777)
QUANTO grátis




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