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LITERATURA
Jabor lança livro e se diz "de esquerda"
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
O jornalista e cineasta carioca
Arnaldo Jabor, 56, está lançando
"Sanduíches de Realidade e Outros Escritos". O livro reúne 65
crônicas publicadas na Ilustrada
ao longo dos últimos quatro anos.
É a terceira coletânea do gênero
que o autor organiza desde abril de
1991, quando ingressou na Folha.
Hoje também escreve para "O
Globo" e mais dez jornais do país.
Como aparece quase diariamente na televisão, costuma dizer que
se converteu em "cabeça falante"
-uma entidade sem corpo que
comenta o Brasil durante programas jornalísticos da Rede Globo.
Longe do cinema há sete anos,
pretende dirigir "pelo menos um
derradeiro longa-metragem", talvez em 1998. Planeja, ainda, se iniciar como romancista. Tem muitos projetos, "incluindo o de uma
autobiografia imaginária", mas
não encontra tempo para tocá-los.
Em janeiro, coloca no mercado
um pacote de vídeo com todos os
seus filmes remasterizados.
Na entrevista que concedeu à Folha, por telefone, se definiu como
"um homem de esquerda" e chamou adversários de "minhocas
rancorosas".
Folha - O texto jornalístico é efêmero. No entanto, você está reunindo crônicas de jornal em um livro -meio de caráter mais perene. A contradição o incomoda?
Arnaldo Jabor - Não, porque a
literatura de hoje necessita do efêmero, às vezes mais verdadeiro do
que o eterno. A busca do perene é
demasiadamente antiga. O escritor se revela mais em um texto parcial e passageiro do que quando
tenta se esconder atrás da perenidade. Na ausência de certezas
completas, na fragilidade e na dúvida, o autor se mostra. O efêmero
é mais humano do que o eterno.
Guimarães Rosa dizia: "Não faça biscoitos, faça pirâmides". E o
Nelson Rodrigues, sacana, contrapunha: "Mas o que é a literatura
de Guimarães Rosa se não uma pirâmide de confeitaria?".
Folha - O jornalismo brasileiro
usa, cada vez mais, câmeras e gravadores escondidos para descobrir
irregularidades. É um fenômeno
que já desperta a crítica de muitos
profissionais da comunicação. O
que você, cineasta e jornalista,
pensa sobre invadir a privacidade
em nome da denúncia?
Jabor - Por um lado, gosto de
ver a tecnologia a serviço da luta
contra a mentira. Existe uma privacidade imoral, "patrimonialista", vagabunda, que ninguém tem
de respeitar. Ocorre que, por outro
lado, não se pode emitir certos julgamentos só com base em uma denúncia, uma gravação -senão tudo fica provado apenas porque alguém disse que fulano roubou.
A tecnologia da espionagem é legal, mas a ética precisa vir em seguida. Depois que se consegue a
denúncia, deve-se questionar se
aquilo vale ou não como prova.
Folha - Há quem leia suas crônicas ou escute seus comentários e
saia com a convicção de que você
defende uma participação cada
vez menor do Estado na economia.
Jabor - Não, não é bem isso.
Defendo que o Estado brasileiro
passe por uma reforma. O grande
mal do país é possuir um Estado
"patrimonialista", que prejudica
tudo. O Estado tem de se "despatrimonializar" para ganhar força e
servir à coletividade.
Precisa ficar mais "americano"
-escreva a palavra entre muitas
aspas-, no sentido de se tornar
mais democrático, mais descentralizado. O enfraquecimento do
Estado "patrimonialista" deve
fortalecer a sociedade civil.
Folha - Você não é, então, um
neoliberal?
Jabor - Claro que não. Creio em
um Estado forte que proteja as
partes fracas da sociedade. Você
acha que acredito no liberalismo,
no capitalismo, sistemas que nos
encaram como mercado emergente, que estão cagando para nós?
Sou um homem de esquerda.
Folha - Você ainda se vê assim,
como um homem de esquerda?
Jabor - Lógico. Ser de esquerda
é defender o progresso da humanidade e melhores condições de vida
para o povo. Eu defendo, mas acho
que os métodos mudaram.
Não critico a esquerda em geral.
Vejo que o PCB, o atual PPS, por
exemplo, tem posições excelentes.
Concordo absolutamente com o
que o PPS pensa e com um bom
número de integrantes do PT. Em
muitos pontos, estou de acordo
até mesmo com o Lula, só que o
coitado virou refém dos xiitas mais
burros da história da humanidade.
Também sou a favor do MST, o
movimento dos sem-terra. Reconheço que se trata do fenômeno
mais importante que o Brasil moderno gerou. Condeno, no entanto, o uso do MST por delírios
maoístas, por líderes como esse
João Stedile -que, para mim, é
maluco, onipotente, narcisista,
um sujeito sem visão histórica.
Folha - Comenta-se que você disputará uma vaga de deputado federal pelo PPS. Verdade?
Jabor - Piada, piada. Só rindo.
Folha - Se você concorda com
uma parcela da esquerda, por que
o tacham de neoliberal?
Jabor - Isso é coisa dos meus
inimigos. Toda vez que puderem
me interpretar mal, pode ter certeza de que irão. Há certas minhocas
que me rondam...
Folha - Quem?
Jabor - Pequenas minhocas,
rancorosas, que não sabem de nada, sem formação política. Um
bando de loucos que não suporta
minha ambivalência, minha ambiguidade. São maniqueístas, esquemáticos. Não são dialéticos. São
religiosos desinformados, dogmáticos movidos a rancor.
Folha - Já o chamaram de porta-voz oficioso de FHC.
Jabor - Foi o José Dirceu (presidente nacional do PT). Ele é um
homem sério, mas imaginava que
lideraria as massas e acabou liderando funcionário público.
Folha - Você enxerga defeitos no
governo FHC?
Jabor - Sim, o Fernando Henrique erra pra burro, sobretudo na
hora de se comunicar com a população. É um presidente frio, muito
suíço para o Brasil. Não toca coisas
emergenciais, relacionadas à saúde, educação, transporte. Ele precisava manifestar o lado mais bacana da esquerda, o de uma certa
militância tarefeira.
Vejo defeitos e os aponto. Meus
inimigos, porém, enxergam apenas o fato de que apóio, em linhas
gerais, a agenda de FHC.
Muitos jornalistas, muitos intelectuais são cafetões da miséria,
gostam de parecer heróicos. Engordam a categoria dos militantes
imaginários: não fazem nada pelo
povo, mas consideram que estão
fazendo só porque denunciam.
Folha - As críticas o aborrecem?
Jabor - Não, não. Todos os dias
recebo respostas positivas da população brasileira. Os críticos estão errados, eu estou certo.
Quem me olha atravessado é
uma meia dúzia de jornalistas invejosos. Eu não trabalhava como
jornalista. De repente, estou falando na televisão e escrevendo em 12
jornais. Os caras ficam com inveja.
É fácil chamar uma pessoa de
conciliadora, reacionária e neoliberal sem saber a complexidade do
pensamento dela. Inúmeros intelectuais encaram a complexidade
como coisa de veado e o simplismo
como coisa de macho. Consideram que complexidade é traição e
que simplismo é coerência.
Sujeitos que não abriam a boca
durante a ditadura se comportam
agora, em plena democracia, como revolucionários.
Folha - Você não vai mesmo citar
nomes?
Jabor - Não, não dou colher de
chá para minhocas. Se tenho uma
"missão" -ponha aspas aí-, é a
de criar confusão na certeza dos
pseudomarxistas, semear a dúvida
na cabeça dos esquemáticos.
Minha função é acabar com o
maniqueísmo vagabundo de muitos pensadores brasileiros, pessoas
de alta qualidade teórica, gente da
Universidade de São Paulo que se
cristaliza numa posição inteiramente aristocrática, sem interferir
em um momento riquíssimo como o que o Brasil vive hoje.
Folha - Ao resenhar o livro "Sanduíches de Realidade", Marcelo
Rubens Paiva escreve que você
costuma desqualificar seus adversários e, assim, acaba aderindo a
uma tática atrasada, do passado.
Você acha que faz isso?
Jabor - Acho que fazem isso comigo também. Não é questão de
desqualificar... No caso do MST,
por exemplo, não posso suportar
que o Stedile fale hoje as mesmas
loucuras que levaram o Brasil para
o brejo há 30 anos. Não tem nada a
ver com política, tem a ver com
psicologia, com neurose. Muita
gente pensa que fracassou na vida
por ser de esquerda. Não lhes
ocorre que são de esquerda porque
fracassaram na vida.
Folha - Você vai votar em FHC caso ele concorra à reeleição?
Jabor - Provavelmente, votarei.
Só não voto se, nesse ano e meio,
ele errar mais do que já errou.
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