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LIVROS
Autor ataca passividade chinesa
Jiang Rong fala de "O Totem do Lobo", em que faz ode ao espírito livre ocidental, representado pelos lobos
Romance vendeu mais de 2 milhões de exemplares na China e venceu primeira edição da variante asiática do prestigioso Booker Prize
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na onda da literatura "made
in China", um romance se destacou por números de vendagem superlativos, um grande
prêmio e sua crítica à passividade do povo chinês. Recém-lançado no Brasil, "O Totem do
Lobo" vendeu mais de 2 milhões de exemplares na China
-o número chega a 10 milhões
entre as cópias piratas- e ganhou, no ano passado, a primeira edição da variante asiática do
Booker Prize, mais prestigioso
prêmio do Reino Unido.
No livro, Jiang Rong (pseudônimo de Lu Jiamin, 61) conta
a história de Chen Zhen, jovem
que, nos anos 60, como o próprio autor, troca Pequim pela
vida nômade nas estepes da
Mongólia Interior, onde o progresso começa a ameaçar o
meio ambiente. Rong propõe
uma alegoria em que o espírito
livre do Ocidente é representado pelos lobos, em contraponto
com a passividade dos chineses, as ovelhas. Leia abaixo trechos da entrevista dada por
Rong à Folha, por e-mail.
FOLHA - Que analogias o sr. propõe
entre o cenário e enredo de seu livro
e a atual China?
JIANG RONG - Os temas do meu
livro são liberdade e proteção
ambiental. Na China de hoje, os
dois maiores problemas são:
como aspirar pelo máximo de
liberdade econômica e política
e como proteger o meio ambiente já seriamente danificado. A razão pela qual "O Totem
do Lobo" se tornou um best-seller na China é porque suas histórias tocam os dois problemas.
FOLHA - Em seu romance, o equilíbrio entre lobos e humanos é prejudicado pelo progresso -trata-se de
uma metáfora do que está acontecendo em países emergentes como
China, Índia e Brasil?
RONG - De fato, o equilíbrio
prejudicado entre o homem e a
natureza aponta para um sério
problema que a maioria dos
países em desenvolvimento está enfrentando. Acho que a filosofia ecológica que eu propus
em meu livro, isto é, as relações
entre a "grande vida" e a "pequena vida", já se tornou a política principal para todo o mundo. No futuro que hoje concebemos, os conflitos entre homem e natureza vão tomar o lugar daqueles entre religiões, raças e civilizações, e estarão na
raiz de todos os tipos de conflitos civilizacionais. Nos países
em desenvolvimento, os desastres ecológicos que surgem do
progresso podem, por sua vez,
impedir o desenvolvimento. Fico aterrorizado com o fato de
que grandes áreas de florestas
no Brasil tenham se transformado em fazendas para a agricultura, assim como as estepes
da China se tornaram desertos.
FOLHA - O sr. passou mais de dez
anos na Mongólia Interior. Que experiências deste período o sr. considera como as mais relevantes para
sua escrita? Por quê?
RONG - Os 11 anos passados na
Mongólia Interior me permitiram viver em uma outra cultura. A cultura nômade é completamente diferente da cultura
tradicional rural chinesa. Pude
aprender algo da essência da
cultura ocidental, como a liberdade, a independência, a iniciativa, a aventura etc. São valores
incorporados à cultura dos lobos da estepe. Eles são importantes para minha maneira de
pensar e minha personalidade
e têm profunda influência em
minha obra.
FOLHA - Quando se fala de liberdade política e social, o sr. não apenas
critica o governo chinês mas também o povo, certo?
RONG - Sim. De fato eu critico
mais o povo chinês do que o governo. As pessoas e o governo
partilham do mesmo caráter. O
caráter nacional chinês, que carece de liberdade e independência, produz gerações de governos contrários à liberdade.
O caráter nacional chinês tem
sido criticado por muitos dos
grandes pensadores e escritores na moderna história do
país. O caráter nacional fraco e
obediente é o lastro sobre o
qual os governos autocráticos
foram construídos na história
chinesa. É uma das tarefas importantes para um escritor chinês livre criticar e melhorar o
caráter nacional de seu povo.
FOLHA - Como é ser um escritor na
China nos dias de hoje -o sr. se sente livre para questionar a política,
questões sociais etc.? A propósito,
por que o sr. usa um pseudônimo
em vez de seu próprio nome?
RONG - Na China atual, os escritores não expressam suas
idéias acerca de política de uma
maneira direta. Em vez disso,
eles questionam a política atual
indiretamente, criticando a política tradicional e cultura. Entretanto, a China está fazendo
um grande progresso na liberdade de expressão e escrita.
Meu livro não foi banido e ainda está sendo publicado, embora contenha em si muita crítica
aguda.
Eu usei um pseudônimo porque fui condenado por crime
anti-revolucionário em 1989 e
fui preso. Se tivesse usado meu
verdadeiro nome no livro, sua
publicação não teria sido permitida. Mas o livro se tornou
um best-seller logo após sua
publicação e não foi banido.
FOLHA - O sr. está otimista quanto
à liberdade política na China? As coisas melhoraram ou pioraram ultimamente?
RONG - Sou otimista quanto à
liberdade política na China
porque, sob o impacto da economia de mercado e economia
livre, o povo chinês está diante
de uma maior consciência da liberdade. Além disso, com o rápido desenvolvimento da internet na China, o país agora tem a
maior população de usuários
do mundo, acima de 200 milhões. A liberdade de expressão
parcial de que os chineses se
beneficiam também terá um
impacto sobre as restrições à liberdade de expressão e, por
fim, levará à liberdade política.
Há sinais recentes de um
bom progresso na China. Por
exemplo, no ano passado o Partido Comunista Chinês anunciou que em 2017 será permitido um sufrágio universal tanto
para o chefe executivo quanto
para a formação de uma legislatura em Hong Kong, de acordo
com o sistema de parlamentarismo democrático e multipartidarismo do Ocidente. O partido também tem praticado democracia internamente. Recentemente, teve início uma
tentativa de reforma político-democrática na cidade de
Shenzhen.
A China está à beira de se tornar um país com liberdade política, ainda que o processo venha a ser um tanto lento. Como
escritor livre, não acho que a
reforma política deva ser rápida. A reforma política radical só
é possível em uma livre economia bem desenvolvida e estável, caso contrário há turbulência. O que não seria bom para o
progresso da liberdade política.
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