São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2008

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LIVROS

Autor ataca passividade chinesa

Jiang Rong fala de "O Totem do Lobo", em que faz ode ao espírito livre ocidental, representado pelos lobos

Romance vendeu mais de 2 milhões de exemplares na China e venceu primeira edição da variante asiática do prestigioso Booker Prize


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na onda da literatura "made in China", um romance se destacou por números de vendagem superlativos, um grande prêmio e sua crítica à passividade do povo chinês. Recém-lançado no Brasil, "O Totem do Lobo" vendeu mais de 2 milhões de exemplares na China -o número chega a 10 milhões entre as cópias piratas- e ganhou, no ano passado, a primeira edição da variante asiática do Booker Prize, mais prestigioso prêmio do Reino Unido. No livro, Jiang Rong (pseudônimo de Lu Jiamin, 61) conta a história de Chen Zhen, jovem que, nos anos 60, como o próprio autor, troca Pequim pela vida nômade nas estepes da Mongólia Interior, onde o progresso começa a ameaçar o meio ambiente. Rong propõe uma alegoria em que o espírito livre do Ocidente é representado pelos lobos, em contraponto com a passividade dos chineses, as ovelhas. Leia abaixo trechos da entrevista dada por Rong à Folha, por e-mail.

 

FOLHA - Que analogias o sr. propõe entre o cenário e enredo de seu livro e a atual China?
JIANG RONG
- Os temas do meu livro são liberdade e proteção ambiental. Na China de hoje, os dois maiores problemas são: como aspirar pelo máximo de liberdade econômica e política e como proteger o meio ambiente já seriamente danificado. A razão pela qual "O Totem do Lobo" se tornou um best-seller na China é porque suas histórias tocam os dois problemas.

FOLHA - Em seu romance, o equilíbrio entre lobos e humanos é prejudicado pelo progresso -trata-se de uma metáfora do que está acontecendo em países emergentes como China, Índia e Brasil?
RONG
- De fato, o equilíbrio prejudicado entre o homem e a natureza aponta para um sério problema que a maioria dos países em desenvolvimento está enfrentando. Acho que a filosofia ecológica que eu propus em meu livro, isto é, as relações entre a "grande vida" e a "pequena vida", já se tornou a política principal para todo o mundo. No futuro que hoje concebemos, os conflitos entre homem e natureza vão tomar o lugar daqueles entre religiões, raças e civilizações, e estarão na raiz de todos os tipos de conflitos civilizacionais. Nos países em desenvolvimento, os desastres ecológicos que surgem do progresso podem, por sua vez, impedir o desenvolvimento. Fico aterrorizado com o fato de que grandes áreas de florestas no Brasil tenham se transformado em fazendas para a agricultura, assim como as estepes da China se tornaram desertos.

FOLHA - O sr. passou mais de dez anos na Mongólia Interior. Que experiências deste período o sr. considera como as mais relevantes para sua escrita? Por quê?
RONG
- Os 11 anos passados na Mongólia Interior me permitiram viver em uma outra cultura. A cultura nômade é completamente diferente da cultura tradicional rural chinesa. Pude aprender algo da essência da cultura ocidental, como a liberdade, a independência, a iniciativa, a aventura etc. São valores incorporados à cultura dos lobos da estepe. Eles são importantes para minha maneira de pensar e minha personalidade e têm profunda influência em minha obra.

FOLHA - Quando se fala de liberdade política e social, o sr. não apenas critica o governo chinês mas também o povo, certo?
RONG
- Sim. De fato eu critico mais o povo chinês do que o governo. As pessoas e o governo partilham do mesmo caráter. O caráter nacional chinês, que carece de liberdade e independência, produz gerações de governos contrários à liberdade. O caráter nacional chinês tem sido criticado por muitos dos grandes pensadores e escritores na moderna história do país. O caráter nacional fraco e obediente é o lastro sobre o qual os governos autocráticos foram construídos na história chinesa. É uma das tarefas importantes para um escritor chinês livre criticar e melhorar o caráter nacional de seu povo.

FOLHA - Como é ser um escritor na China nos dias de hoje -o sr. se sente livre para questionar a política, questões sociais etc.? A propósito, por que o sr. usa um pseudônimo em vez de seu próprio nome?
RONG
- Na China atual, os escritores não expressam suas idéias acerca de política de uma maneira direta. Em vez disso, eles questionam a política atual indiretamente, criticando a política tradicional e cultura. Entretanto, a China está fazendo um grande progresso na liberdade de expressão e escrita. Meu livro não foi banido e ainda está sendo publicado, embora contenha em si muita crítica aguda. Eu usei um pseudônimo porque fui condenado por crime anti-revolucionário em 1989 e fui preso. Se tivesse usado meu verdadeiro nome no livro, sua publicação não teria sido permitida. Mas o livro se tornou um best-seller logo após sua publicação e não foi banido.

FOLHA - O sr. está otimista quanto à liberdade política na China? As coisas melhoraram ou pioraram ultimamente?
RONG
- Sou otimista quanto à liberdade política na China porque, sob o impacto da economia de mercado e economia livre, o povo chinês está diante de uma maior consciência da liberdade. Além disso, com o rápido desenvolvimento da internet na China, o país agora tem a maior população de usuários do mundo, acima de 200 milhões. A liberdade de expressão parcial de que os chineses se beneficiam também terá um impacto sobre as restrições à liberdade de expressão e, por fim, levará à liberdade política.
Há sinais recentes de um bom progresso na China. Por exemplo, no ano passado o Partido Comunista Chinês anunciou que em 2017 será permitido um sufrágio universal tanto para o chefe executivo quanto para a formação de uma legislatura em Hong Kong, de acordo com o sistema de parlamentarismo democrático e multipartidarismo do Ocidente. O partido também tem praticado democracia internamente. Recentemente, teve início uma tentativa de reforma político-democrática na cidade de Shenzhen.
A China está à beira de se tornar um país com liberdade política, ainda que o processo venha a ser um tanto lento. Como escritor livre, não acho que a reforma política deva ser rápida. A reforma política radical só é possível em uma livre economia bem desenvolvida e estável, caso contrário há turbulência. O que não seria bom para o progresso da liberdade política.


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