São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2008

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ANTONIO CICERO

Sobre a popularidade de Lula


Contra as expectativas, o governo tem se mantido dentro do Estado de direito

LULA MERECE merece os altos índices de aprovação que tem obtido. E o mais notável é que os merece enquanto frustra as expectativas tanto dos conservadores antipetistas quanto dos radicais de dentro e de fora do PT.
Os conservadores temiam, antes do primeiro mandato de Lula, a volta da inflação galopante, a declaração de moratória, os distúrbios sociais, o colapso das instituições, o caos. Os radicais basicamente torciam por tudo isso, sendo que, no lugar do caos, esperavam uma ampla mobilização popular que culminasse com a substituição da democracia representativa por uma "democracia direta" (leia-se: "ditadura populista"), tendo em vista a realização de "transformações estruturais", isto é, de uma revolução meio cubana, meio pacífica.
Nada disso aconteceu. Contra as expectativas tanto dos conservadores quanto dos radicais, o governo de Lula tem basicamente se mantido dentro dos marcos do Estado de direito.
Hoje os conservadores -que entretanto, no Brasil, jamais morreram de amores pela democracia- temem a implantação de uma ditadura populista. Infelizmente, certos atos promovidos ou apoiados por alguns dos radicais do PT -tais como o mensalão, certas tentativas de intimidar a imprensa, a campanha pelo terceiro turno, a campanha pela "democracia direta", a prática de agências de segurança ilegalmente espionarem até membros do Judiciário e do Legislativo, a lenidade para com os atos ilegais do MST etc.- não nos permite descartar como simplesmente ridículos tais temores.
Já os radicais se mantêm fiéis a dois dogmas. O primeiro é o de que não será possível realizarem-se as "transformações estruturais" de que, segundo eles, o Brasil precisa, sem a substituição da democracia representativa por uma "democracia direta". O segundo é o de que essas "transformações estruturais" se fazem necessárias porque, a menos que as realize, o Brasil jamais será capaz de resolver ao menos quatro graves problemas: (1) a dependência em relação às metrópoles capitalistas e às flutuações financeiras internacionais; (2) a estagnação ou a regressão econômica; (3) a submissão de grande parte da população brasileira à miséria absoluta; e (4) a manutenção ou o aumento da disparidade de renda entre os brasileiros mais pobres e os mais ricos.
Dado que ainda vivemos numa democracia representativa e não numa "democracia direta", é claro que, de acordo com o primeiro dogma, não se puderam realizar as tais "transformações estruturais". Segue-se, de acordo com o segundo, que nenhum dos quatro graves problemas mencionados pôde ser resolvido.
O fato, porém, é que, na gestão de Lula, cuja política econômica, sabiamente, dá continuidade à do governo -afinal de contas de esquerda- que o antecedeu, a inflação foi controlada e o peso da dívida externa na economia sofreu uma diminuição considerável. Concomitantemente, desmentindo os economistas-ideólogos que supunham serem incompatíveis o controle da inflação e o crescimento econômico, a economia voltou a crescer a taxas respeitáveis, foram gerados milhões de empregos formais e o salário mínimo aumentou em termos reais. E, embora não se possa esperar que país nenhum escape ileso da atual crise financeira, a verdade é que, se ela houvesse ocorrido há alguns anos, estaríamos em situação bem pior.
Mas, a meu ver, o mais importante feito de Lula foi ter conseguido a diminuição significativa de duas infâmias que pareciam indissociáveis do nosso país: a altíssima disparidade de renda entre os mais pobres e os mais ricos, por um lado, e a miséria absoluta de grande contingente da população, por outro. O progresso na luta contra esses dois horrores foi obtido não só pelo aumento do salário mínimo e a geração de empregos formais, mas também por meio da implementação efetiva de programas sociais como, em primeiro lugar, o Bolsa Família.
Em suma, contra as previsões dos radicais, o Brasil hoje (1) tende a se tornar menos dependente das metrópoles e das intempéries financeiras, (2) cresce economicamente, (3) vê diminuir a população sujeita à miséria absoluta e (4) vê diminuir a disparidade de renda entre os mais pobres e os mais ricos. Ou seja, mesmo dentro dos marcos do Estado de direito e da democracia representativa, as coisas estão bem mais sujeitas à transformação do que rezam os dogmas. Mas é inútil não se esperar que os radicais, abrindo mão dos seus dogmas, abram os olhos para a realidade: esta já os deixou para trás há muito tempo.


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