|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
29ª MOSTRA DE CINEMA
Novo filme do canadense David Cronenberg investiga a violência como parte da sexualidade humana; longa é um dos destaques entre os 350 filmes da programação da 29ª Mostra de Cinema de SP, que começa hoje
Múltiplos olhares
JAMES MOTTRAM
DO "INDEPENDENT"
O canadense David Cronenberg, 62, já foi descrito como o
"barão do sangue", por dirigir
uma série de filmes de terror viscerais, começando com "Shivers",
em 1975. Mas já ficou para trás o
tempo em que produziu sucessos
comerciais, como "Scanners - Sua
Mente Pode Explodir" e "A Mosca", o remake ensangüentado de
1986 que marcou o fim da primeira fase de sua carreira.
Inaugurado pelo terror "Gêmeos, Mórbida Semelhança", o
segundo período de sua obra vem
sendo marcado por uma progressão em direção a um jeito mais cerebral de fazer cinema, quer em
histórias de perversão sexual, como "M. Butterfly" e "Crash - Estranhos Prazeres", quer em explorações de realidades alucinógenas
("Mistérios e Paixões"), virtuais
("eXistenZ") ou esquizofrênicas
("Spider - Desafie Sua Mente").
"Marcas da Violência", que se
destaca na programação da 29ª
Mostra de Cinema de São Paulo,
talvez aponte ao início da fase três:
uma união das preocupações psicológicas recentes de Cronenberg
com o fascínio perene pelo corpo.
Seu novo filme conta a história
de Tom Stall (Viggo Mortensen),
dono de um restaurante numa cidade pequena em Indiana cuja vida é perturbada quando se vê forçado a defender seu estabelecimento contra dois bandidos. Depois de matá-los a tiros, vira celebridade da mídia local, atraindo a
atenção de figuras de seu passado.
Cronenberg leva adiante o interesse pela necessidade de construir identidades. "Não acho que
a identidade seja algo que nos é
dado geneticamente, como a cor
de nossos olhos", diz o diretor. "É
algo que é criado. Existe uma vontade envolvida. Em "Spider", eu
tratei do mesmo tema: o que
acontece quando não existe a
vontade ou a força para segurar
uma identidade, para mantê-la
coesa. Acho que a gente acorda
todas as manhãs e precisar se lembrar de quem é e recriar-se, montar aquela pessoa de novo. É possível nos tornarmos outra pessoa
através da força da vontade."
Usando metáforas genéricas para transmitir temas complexos, o
filme é um híbrido de dois pratos
fortes do cinema americano: o filme de gângster e o faroeste. "Eu
sabia desde o início que havia
uma mitologia americana épica,
de faroeste, envolvida nessa história. É uma premissa americana
clássica tanto na história quanto
no cinema americanos."
Mesmo assim, Cronenberg se
prepara para uma possível reação
de furor. Embora hoje estejamos
vivendo com a consciência da necessidade de defender o uso de seqüências violentas.
"Essas cenas são muito curtas.
Mas será que se pode dizer que é
melhor não mostrar as conseqüências da violência? A idéia é
justamente dizer que essa violência é real. Ela tem um impacto nada agradável sobre o corpo humano. Não estamos fazendo uma
fantasia de kung fu. Este não é um
filme de artes marciais dos anos
70. Mostramos que a violência é
muito cruel, muito brutal, muito
rápida, muito imprevisível e tem
conseqüências horrendas."
Embora Cronenberg nunca tenha sido um cineasta que se proponha a criar polêmica, alguns
críticos já aventam a idéia de que
"Marcas da Violência" possa ser
uma alegoria da invasão do Iraque -já que Stall defende sua casa agressivamente contra insurgentes vindos do "oriente".
Cronenberg não fala em termos
muito específicos, mas reconhece
que o filme pode ser visto como
uma crítica à administração Bush,
que "adotou a mitologia de violência dos EUA como sua política
externa" -uma postura agressiva, mas não sofisticada, na linha
de "fomos atacados, portanto,
qualquer coisa que façamos para
nos defender é justificada".
Contudo, a cena mais violenta
não tem tiros. Ela acontece quando Stall força sua mulher a fazer
sexo com ele, na escada de sua casa. "A violência faz parte da sexualidade", diz o diretor. "É muito possível, talvez até inevitável,
que a violência esteja incorporada
à sexualidade. E também existe
um fator sexual na violência. Existe um elemento estranhamente
sexual nas execuções promovidas
pelo Estado, por exemplo. É um
tema difícil e demorado, mas é
verdade, sim, que sexo e violência
parecem combinar muito bem."
Tradução Clara Allain
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Crítica: Diretor brinca com a subversão da imagem da violência no cinema Índice
|