São Paulo, terça-feira, 20 de outubro de 2009

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Comentário

Novo U2 economiza no discurso, mas surpreende no show

Espetáculo com palco aberto e telão retrátil impressiona por gigantismo e escolhas do roteiro musical da banda

PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Bruce Springsteen e Ray Charles são dois grandes artistas que, como eu, nasceram em 23 de setembro, primeiro dia do signo de Libra e começo da primavera no hemisfério Sul.
Quando vi as datas da turnê 360º, decidi passar este aniversário a bordo da espaçonave do U2, pousada em Nova Jersey, cidade natal de Bruce, onde eles fariam dois shows destinados a entrar para a história.
O tráfego intenso sinalizava casa cheia. À procura do meu setor, a primeira visão do palco, um monstro irlandês de ficção científica, o maior palco da história do rock, que, mesmo antes de o show começar, intimida por suas dimensões. Ali, sob as luzes de serviço, via-se o gigantesco ovo de Colombo; quase uma estação espacial, com torres, pontes e um telão retrátil em forma de colmeia que deixa todos os outros parecendo pinturas egípcias bidimensionais.
O diretor Willie Williams (há 26 anos com a banda) conseguiu chegar a essa síntese tentando encontrar um ponto de equilíbrio entre a Zoo TV, auge da parafernália em vídeo, e a Elevation, mais crua, em ginásios. A ideia era levar um espetáculo de grandes dimensões sem perder o calor da performance dos músicos, num palco aberto (360º), onde o vídeo, apesar de absurdo, nunca ficava em primeiro plano, coisa que acontece num bar ou em casa; onde quer que haja um vídeo, nossos olhares convergem para ele quase inconscientemente.
E, no fim das contas, nesses 30 anos de carreira, é o que ainda surpreende quando falamos em U2; a inteligência que permeia toda ação, canção ou mesmo marketing. Além, é claro, da ambição de se manter no topo, missão quase impossível.
Não pra eles.
Meu primeiro show da galera foi em Londres, em 1983, no Hammersmith Palais, na turnê do disco "War". De lá pra cá, muita Guinness passou por debaixo da ponte, mas agora vai ficar difícil pros pouquíssimos artistas que podem sonhar com isso superá-los. Muito difícil.
Musicalmente, é o melhor roteiro de todos os shows que já vi, ao vivo ou em DVD. Quatro escolhidas do novo álbum, e todas as minhas favoritas, "Mys-terious Ways", "Stay", "Beautiful Day". E nunca Bono foi tão econômico em seus discursos politicamente corretos.
Mas Bono é Bono. Logo no começo do show, ele brinca: "É muito bom estar aqui, nós nunca tocamos no Giant's Stadium.". E eu pensei: "Como assim?". Logo ele arrematou: "Só 27 vezes.". He He... E, no final, o golpe de misericórdia: "Acabo de saber que batemos o recorde do Giant's!". Isso vai acontecer muitas vezes nesta turnê, onde se pode vender toda a circunferência dos estádios. "O recorde anterior era do papa, em 1995", diz, apalpando o terço, presente do próprio. Após a ovação, a chacota final: "Desculpe Bruce, sabemos que é seu aniversário e tal...", com um sorrisinho sacana nos lábios, amplificado pelo telão, tão grande que se podia ver as pessoas se esticando para tentar ver o palco de dentro de seus aviões.
Não precisava...


PAULO RICARDO é cantor e compositor.


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