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Comentário
Novo U2 economiza no discurso, mas surpreende no show
Espetáculo com palco aberto e telão retrátil impressiona por gigantismo e escolhas do roteiro musical da banda
PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Bruce Springsteen e Ray
Charles são dois grandes artistas que, como eu, nasceram em
23 de setembro, primeiro dia
do signo de Libra e começo da
primavera no hemisfério Sul.
Quando vi as datas da turnê
360º, decidi passar este aniversário a bordo da espaçonave do
U2, pousada em Nova Jersey,
cidade natal de Bruce, onde
eles fariam dois shows destinados a entrar para a história.
O tráfego intenso sinalizava
casa cheia. À procura do meu
setor, a primeira visão do palco,
um monstro irlandês de ficção
científica, o maior palco da história do rock, que, mesmo antes
de o show começar, intimida
por suas dimensões. Ali, sob as
luzes de serviço, via-se o gigantesco ovo de Colombo; quase
uma estação espacial, com torres, pontes e um telão retrátil
em forma de colmeia que deixa
todos os outros parecendo pinturas egípcias bidimensionais.
O diretor Willie Williams (há
26 anos com a banda) conseguiu chegar a essa síntese tentando encontrar um ponto de
equilíbrio entre a Zoo TV, auge
da parafernália em vídeo, e a
Elevation, mais crua, em ginásios. A ideia era levar um espetáculo de grandes dimensões
sem perder o calor da performance dos músicos, num palco
aberto (360º), onde o vídeo,
apesar de absurdo, nunca ficava em primeiro plano, coisa que
acontece num bar ou em casa;
onde quer que haja um vídeo,
nossos olhares convergem para
ele quase inconscientemente.
E, no fim das contas, nesses
30 anos de carreira, é o que ainda surpreende quando falamos
em U2; a inteligência que permeia toda ação, canção ou mesmo marketing. Além, é claro, da
ambição de se manter no topo,
missão quase impossível.
Não pra eles.
Meu primeiro show da galera
foi em Londres, em 1983, no
Hammersmith Palais, na turnê
do disco "War". De lá pra cá,
muita Guinness passou por debaixo da ponte, mas agora vai
ficar difícil pros pouquíssimos
artistas que podem sonhar com
isso superá-los. Muito difícil.
Musicalmente, é o melhor
roteiro de todos os shows que já
vi, ao vivo ou em DVD. Quatro
escolhidas do novo álbum, e todas as minhas favoritas, "Mys-terious Ways", "Stay", "Beautiful Day". E nunca Bono foi tão
econômico em seus discursos
politicamente corretos.
Mas Bono é Bono. Logo no
começo do show, ele brinca: "É
muito bom estar aqui, nós nunca tocamos no Giant's Stadium.". E eu pensei: "Como assim?". Logo ele arrematou: "Só 27 vezes.". He He... E, no final, o golpe de misericórdia: "Acabo
de saber que batemos o recorde
do Giant's!". Isso vai acontecer
muitas vezes nesta turnê, onde
se pode vender toda a circunferência dos estádios. "O recorde
anterior era do papa, em 1995",
diz, apalpando o terço, presente do próprio. Após a ovação, a
chacota final: "Desculpe Bruce,
sabemos que é seu aniversário
e tal...", com um sorrisinho sacana nos lábios, amplificado
pelo telão, tão grande que se
podia ver as pessoas se esticando para tentar ver o palco de
dentro de seus aviões.
Não precisava...
PAULO RICARDO é cantor e compositor.
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