São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2010

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OPINIÃO

Índice do consumo doméstico evidencia a vitória da pirataria

LAÍS BODANZKY
LUIZ BOLOGNESI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O que mais chama a atenção na pesquisa J. Leiva/Datafolha/FGV é a contradição entre o fato de 97% dos entrevistados declararem ouvir música, 87% dizerem ver filmes em DVD e VHS e, ao mesmo tempo, 40% dessas pessoas dizerem que não vão ao cinema e 60% que não vão a teatro e museus.
Como é possível um consumo doméstico e privado das artes com índices estratosféricos conviver com um consumo tão modesto das artes em espaços públicos?
A derrocada do espaço público no consumo das artes está ligada a dois fatos principais: à falta de políticas públicas em educação e cultura em todas as esferas -do poder municipal ao federal- e à crescente elitização das políticas de preços da iniciativa privada.
O resultado é este: o consumo doméstico elevadíssimo e o público declinante. É a vitória da pirataria.
Essa é a resposta natural de uma sociedade que consome cultura como água, de acordo com a pesquisa, mas afirma não dispor de equipamentos coletivos -públicos ou privados- acessíveis para o consumo das artes.
Segundo a pesquisa, 84% acham que a cidade deveria ter mais espaços para atividades culturais, 38% costumam ir a outras cidades para participar de atividades culturais. Evidencia-se que o primeiro gargalo é o acesso.
Dos entrevistados, 60% dizem não ir ao teatro e, desses, 32% porque não se interessam ou não gostam. Com cinema é parecido: 40% dizem não ir e, desses, 29% não se interessam ou não gostam.
Ora, como alguém que nunca foi à praia pode declarar gostar de ir à praia? Estamos diante de outro gargalo: a falta de hábito do consumo público de arte e cultura.
O consumo coletivo não é estimulado na escola, não é disponibilizado pelo Estado -que bairro de periferia tem equipamento de teatro, cinema, museu ou biblioteca?- e é reprimido pelo mercado, que empurra a sociedade, como sempre, para a economia ilegal, para o jeitinho.
Quando dissermos que a água não é mais para todos, essas pessoas vão dar um jeito. Como estão dando para consumir cinema e música.
Na França, o ensino de cinema está no currículo escolar. As crianças são levadas aos cinemas em vez de simplesmente consumirem filmes em DVD.
Ali, o poder público entende que é seu papel criar hábito, promover reflexão, conhecimento e repertório. Se quisermos colher indicadores melhores para o consumo de cultura, falta plantar acesso, desejo e repertório.


LAÍS BODANZKY é cineasta e LUIZ BOLOGNESI é roteirista. Os dois coordenam o projeto de educação audiovisual Cine Tela Brasil.


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