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LITERATURA
"Uma Enciclopédia de Ipanema" reúne histórias de pessoas que viveram no bairro entre 1910 e 1970
Livro sugere que utopia existiu em Ipanema
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Há uma irreverência e uma vontade de se enturmar
em Ipanema, Rio
de Janeiro, que raramente se encontram em outro lugar. O escritor e
jornalista Ruy Castro decidiu repartir o encanto e as histórias de
pessoas que viveram, como ele,
no bairro, publicando o livro "Ela
É Carioca - Uma Enciclopédia de
Ipanema".
Quem mora na restinga entre a
lagoa Rodrigo de Freitas e o mar,
perto das areias brancas "que
cantavam no pé" (dizia Jobim) e
abençoada pelas pedras do Arpoador, precisa de aliados que
reafirmem diariamente: você não
está sonhando, isso existe e se
chama Ipanema. A utopia existiu
e modificou o Brasil.
Moraram em Ipanema Glauber
Rocha, Leila Diniz, Rubem Braga,
Paulo Francis, Tom Jobim, Gerald
Thomas, Helio Oiticica, Fernando
Gabeira, Ziraldo, Vinicius de Moraes, Millôr Fernandes, Danuza
Leão, Ivan Lessa e os presidentes
generais Gaspar Dutra e Castello
Branco.
Começou em Ipanema, segundo o autor, a bossa nova, o cinema
novo e o "Pasquim". As roupas
produzidas em Ipanema vestiram
o Brasil. A contracultura, o amor
livre, o coloquialismo e gírias como "fossa" saíram do bairro.
Em Ipanema, rediscutiu-se conceitos tão sólidos quanto os da
psicanálise. Eduardo Mascarenhas (1942-1997) convivia com
seus pacientes na areia da praia,
derrubando a regra número um
que impõe limites na relação terapeuta/paciente.
"Todos os personagens foram
heróicos, criativos, independentes, corajosos. Vinicius, por
exemplo, foi quem teve mais a
perder. Trocou a carreira de diplomata pelo botequim. Eu quis
contar histórias emocionantes e
de bravura", afirma Castro, em
entrevista feita pelo telefone.
É tema recorrente, nas três biografias que escreveu, o passado de
glória do Rio de Janeiro ainda capital do país. "Chega de Saudade
-A História e as Histórias da Bossa
Nova", "O Anjo Pornográfico - A
Vida de Nelson Rodrigues" e
"Um Brasileiro Chamado Garrincha" retrataram conterrâneos que
viveram na belíssima cidade. São
biografias de três vencedores que
alternaram glória e solidão, sucesso e melancolia, palavras que
também podem descrever o destino da cidade que mergulhou na
decadência, nos anos 70, e tem
procurado se reerguer.
"Em 1970, entrou muito dinheiro no Brasil, no chamado milagre,
que era milagre para a classe média. Enquanto Copacabana estava
saturada, em Ipanema havia ofertas de investimentos, e Sérgio
Dourado começou a derrubar casas para construir prédios. No
mais, havia a mística do bairro, o
que fez muita gente se mudar para lá", explica Castro.
"0"Mas Ruy, eu o entrevistei, há
uns anos, e você me garantiu que
ia parar de escrever biografias,
pois dão muito trabalho." Paguei a
língua. Acabei fazendo 231 pequenas biografias que me deram um
trabalhão. Foram 130 entrevistados. Mas, agora, sustento a palavra. Chega de biografias", diz.
O livro é dividido em 231 verbetes organizados em ordem alfabética. As histórias se cruzam. Por
vezes, informações importantes
sobre o bairro estão em verbetes
pequenos, quase escondidos.
"Verbete é uma denominação
técnica. São pequenas histórias.
Há os verbetes de pessoas mais famosas, como os de Jobim e Tônia
Carreiro, e tem os de Liliane Lacerda (1927-1982, artista plástica
criadora da gíria "fossa") e Ira Etz
(modelo musa do Arpoador), tão
importantes quanto. Sei que muita gente vai ler apenas as menções
às pessoas famosas. Infelizmente,
esse é um livro para ser lido."
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