São Paulo, Sábado, 20 de Novembro de 1999
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LITERATURA

"Uma Enciclopédia de Ipanema" reúne histórias de pessoas que viveram no bairro entre 1910 e 1970

Livro sugere que utopia existiu em Ipanema

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Há uma irreverência e uma vontade de se enturmar em Ipanema, Rio de Janeiro, que raramente se encontram em outro lugar. O escritor e jornalista Ruy Castro decidiu repartir o encanto e as histórias de pessoas que viveram, como ele, no bairro, publicando o livro "Ela É Carioca - Uma Enciclopédia de Ipanema".
Quem mora na restinga entre a lagoa Rodrigo de Freitas e o mar, perto das areias brancas "que cantavam no pé" (dizia Jobim) e abençoada pelas pedras do Arpoador, precisa de aliados que reafirmem diariamente: você não está sonhando, isso existe e se chama Ipanema. A utopia existiu e modificou o Brasil.
Moraram em Ipanema Glauber Rocha, Leila Diniz, Rubem Braga, Paulo Francis, Tom Jobim, Gerald Thomas, Helio Oiticica, Fernando Gabeira, Ziraldo, Vinicius de Moraes, Millôr Fernandes, Danuza Leão, Ivan Lessa e os presidentes generais Gaspar Dutra e Castello Branco.
Começou em Ipanema, segundo o autor, a bossa nova, o cinema novo e o "Pasquim". As roupas produzidas em Ipanema vestiram o Brasil. A contracultura, o amor livre, o coloquialismo e gírias como "fossa" saíram do bairro.
Em Ipanema, rediscutiu-se conceitos tão sólidos quanto os da psicanálise. Eduardo Mascarenhas (1942-1997) convivia com seus pacientes na areia da praia, derrubando a regra número um que impõe limites na relação terapeuta/paciente.
"Todos os personagens foram heróicos, criativos, independentes, corajosos. Vinicius, por exemplo, foi quem teve mais a perder. Trocou a carreira de diplomata pelo botequim. Eu quis contar histórias emocionantes e de bravura", afirma Castro, em entrevista feita pelo telefone.
É tema recorrente, nas três biografias que escreveu, o passado de glória do Rio de Janeiro ainda capital do país. "Chega de Saudade -A História e as Histórias da Bossa Nova", "O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues" e "Um Brasileiro Chamado Garrincha" retrataram conterrâneos que viveram na belíssima cidade. São biografias de três vencedores que alternaram glória e solidão, sucesso e melancolia, palavras que também podem descrever o destino da cidade que mergulhou na decadência, nos anos 70, e tem procurado se reerguer.
"Em 1970, entrou muito dinheiro no Brasil, no chamado milagre, que era milagre para a classe média. Enquanto Copacabana estava saturada, em Ipanema havia ofertas de investimentos, e Sérgio Dourado começou a derrubar casas para construir prédios. No mais, havia a mística do bairro, o que fez muita gente se mudar para lá", explica Castro.
"0"Mas Ruy, eu o entrevistei, há uns anos, e você me garantiu que ia parar de escrever biografias, pois dão muito trabalho." Paguei a língua. Acabei fazendo 231 pequenas biografias que me deram um trabalhão. Foram 130 entrevistados. Mas, agora, sustento a palavra. Chega de biografias", diz.
O livro é dividido em 231 verbetes organizados em ordem alfabética. As histórias se cruzam. Por vezes, informações importantes sobre o bairro estão em verbetes pequenos, quase escondidos.
"Verbete é uma denominação técnica. São pequenas histórias. Há os verbetes de pessoas mais famosas, como os de Jobim e Tônia Carreiro, e tem os de Liliane Lacerda (1927-1982, artista plástica criadora da gíria "fossa") e Ira Etz (modelo musa do Arpoador), tão importantes quanto. Sei que muita gente vai ler apenas as menções às pessoas famosas. Infelizmente, esse é um livro para ser lido."


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