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CRÍTICA
Livro revela transformações do jornalismo cultural
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Em Branco e Preto" é um livro surpreendente. O caráter descritivo do subtítulo não esclarece o alcance do projeto. Nas
palavras de Arthur Nestrovski:
"deixar gravada uma história das
artes brasileiras nessa última década e meia, como ela se faz, a
quente, na impressão imediata
dos dias".
Com tal objetivo, diferentes capítulos destacam nomes, tendências, polêmicas; enfim, a própria
dinâmica da vida cultural. Felipe
Chaimovich encarregou-se da seção de artes plásticas; Pedro Butcher escolheu os textos sobre cinema; Inês Bogéa cuidou da área
de dança; Alcino Leite Neto selecionou os artigos de literatura;
Arthur Nestrovski tratou de música clássica; Pedro Alexandre
Sanches ficou com a música popular; e, por fim, Sergio Salvia
Coelho reuniu ensaios da área de
teatro. Todas as seções contam
com textos introdutórios de seus
organizadores, esclarecendo os
critérios da escolha dos artigos.
À primeira vista, "Em Branco e
Preto" é uma antologia dos suplementos culturais da Folha. O livro
oferece assim um rico painel,
enriquecido pela presença de indispensável índice de nomes e
obras. Contudo, o projeto pode
ser melhor compreendido através
do posfácio de Marcelo Coelho:
mais do que a memória narcísica
da Folha, estimula-se uma reflexão renovada sobre a natureza do
jornalismo impresso.
O leitor deve enfrentar as alentadas 710 páginas principiando
pelo posfácio. Então, a miríade de
textos e intervenções sobre as artes brasileiras transforma-se numa constelação de grande interesse, em que são discutidas as transformações do jornalismo cultural.
Para além do fator que interfere
no dia-a-dia das redações ("uma
duríssima restrição de recursos
refletindo-se nos cortes de papel e
nas dimensões da equipe"), Coelho acerta no alvo: "Numa época
sem internet, era considerável o
abismo de informação entre o público intelectual médio e o seleto
grupo de "antenados" com o que
se passava lá fora". Ele refere-se ao
panorama da década de 80. Pelo
contrário, "os anos 90 significaram para parte considerável da
classe média brasileira e, claro,
para as elites, um período de interessantes aquisições tecnológicas
na vida cotidiana".
Tais aquisições alteraram profundamente a paisagem cultural,
pois dizem respeito ao acesso a informações vindas de todos os
quadrantes. Portanto, o jornalista
não pode mais limitar-se a legislar
sobre o presente com base numa
atualização com o "dernier cris".
Por isso, "a maior abertura às novidades internacionais significou
igualmente maior abertura para a
produção nacional". O movimento é decisivo, permitindo a superação de figuras constantes na vida cultural brasileira.
De um lado, o "intermediário
cultural", o estrangeiro que vinha
"iluminar" seus pares nos tristes
trópicos; talentosos, mas sem
condições de obter as informações "relevantes". Daí o europeu
representava o papel de anacrônica biblioteca ambulante.
De outro, o artista brasileiro viajado, logo, ungido pela proximidade com os grandes centros. Eis
a triste figura do artista aduaneiro, que busca impor-se pela deselegância com que divulga sua
amizade com estrangeiros ilustres. No fundo, intelectuais aduaneiros não passam de provincianos munidos de passaporte. Infelizmente, nenhum deles chamava-se Henri Rousseau.
Eis a importância de "Em Branco e Preto": trata-se de travessia
cujo ponto de chegada é o futuro
próximo. A revolução digital afetou profundamente o jornalismo
impresso, criando uma simultaneidade inédita entre o fato e sua
exposição. O jornalismo cultural
depende de um novo ritmo temporal em meio à vertigem contemporânea. É preciso ensinar o
leitor a desacelerar seu tempo de
consumo de novos dados. Este
(importante) livro de 710 páginas
é um excelente começo.
João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e
autor de "Literatura e Cordialidade"
(Eduerj)
Em Preto e Branco
Organizador: Arthur Nestrovski
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 79 (752 págs.)
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