São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2004

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CRÍTICA

Livro revela transformações do jornalismo cultural

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Em Branco e Preto" é um livro surpreendente. O caráter descritivo do subtítulo não esclarece o alcance do projeto. Nas palavras de Arthur Nestrovski: "deixar gravada uma história das artes brasileiras nessa última década e meia, como ela se faz, a quente, na impressão imediata dos dias".
Com tal objetivo, diferentes capítulos destacam nomes, tendências, polêmicas; enfim, a própria dinâmica da vida cultural. Felipe Chaimovich encarregou-se da seção de artes plásticas; Pedro Butcher escolheu os textos sobre cinema; Inês Bogéa cuidou da área de dança; Alcino Leite Neto selecionou os artigos de literatura; Arthur Nestrovski tratou de música clássica; Pedro Alexandre Sanches ficou com a música popular; e, por fim, Sergio Salvia Coelho reuniu ensaios da área de teatro. Todas as seções contam com textos introdutórios de seus organizadores, esclarecendo os critérios da escolha dos artigos.
À primeira vista, "Em Branco e Preto" é uma antologia dos suplementos culturais da Folha. O livro oferece assim um rico painel, enriquecido pela presença de indispensável índice de nomes e obras. Contudo, o projeto pode ser melhor compreendido através do posfácio de Marcelo Coelho: mais do que a memória narcísica da Folha, estimula-se uma reflexão renovada sobre a natureza do jornalismo impresso.
O leitor deve enfrentar as alentadas 710 páginas principiando pelo posfácio. Então, a miríade de textos e intervenções sobre as artes brasileiras transforma-se numa constelação de grande interesse, em que são discutidas as transformações do jornalismo cultural.
Para além do fator que interfere no dia-a-dia das redações ("uma duríssima restrição de recursos refletindo-se nos cortes de papel e nas dimensões da equipe"), Coelho acerta no alvo: "Numa época sem internet, era considerável o abismo de informação entre o público intelectual médio e o seleto grupo de "antenados" com o que se passava lá fora". Ele refere-se ao panorama da década de 80. Pelo contrário, "os anos 90 significaram para parte considerável da classe média brasileira e, claro, para as elites, um período de interessantes aquisições tecnológicas na vida cotidiana".
Tais aquisições alteraram profundamente a paisagem cultural, pois dizem respeito ao acesso a informações vindas de todos os quadrantes. Portanto, o jornalista não pode mais limitar-se a legislar sobre o presente com base numa atualização com o "dernier cris". Por isso, "a maior abertura às novidades internacionais significou igualmente maior abertura para a produção nacional". O movimento é decisivo, permitindo a superação de figuras constantes na vida cultural brasileira.
De um lado, o "intermediário cultural", o estrangeiro que vinha "iluminar" seus pares nos tristes trópicos; talentosos, mas sem condições de obter as informações "relevantes". Daí o europeu representava o papel de anacrônica biblioteca ambulante.
De outro, o artista brasileiro viajado, logo, ungido pela proximidade com os grandes centros. Eis a triste figura do artista aduaneiro, que busca impor-se pela deselegância com que divulga sua amizade com estrangeiros ilustres. No fundo, intelectuais aduaneiros não passam de provincianos munidos de passaporte. Infelizmente, nenhum deles chamava-se Henri Rousseau.
Eis a importância de "Em Branco e Preto": trata-se de travessia cujo ponto de chegada é o futuro próximo. A revolução digital afetou profundamente o jornalismo impresso, criando uma simultaneidade inédita entre o fato e sua exposição. O jornalismo cultural depende de um novo ritmo temporal em meio à vertigem contemporânea. É preciso ensinar o leitor a desacelerar seu tempo de consumo de novos dados. Este (importante) livro de 710 páginas é um excelente começo.


João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor de "Literatura e Cordialidade" (Eduerj)

Em Preto e Branco
    
Organizador: Arthur Nestrovski
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 79 (752 págs.)



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