São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

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Decadência sem elegância

Sob pressão, redes podem tirar do ar João Kléber, Ratinho e Márcia, ícones da baixaria televisiva

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine uma televisão sem João Kléber, Ratinho e Márcia Goldschmidt. Pois o sonho de consumo da patrulha antibaixaria tem chance de se realizar. Os três grandes ícones da programação trash brasileira sofreram fortes golpes recentemente e correm o risco de levar cartão vermelho das emissoras que hoje os abrigam.
Com a possível queda do "império" surgido há quase dez anos e marcado por brigas no palco, testes de DNA e de fidelidade, pegadinhas e dramas forjados, surge a nova fase do mau gosto, movida a auto-ajuda e a fofoca de pseudo-celebridades. Da nova vertente, os maiores representantes são Luciana Gimenez, com o "Superpop" (Rede TV!), e Gilberto Barros, do "Boa Noite, Brasil" (Band).
No sapato da, digamos, "velha-guarda" trash há três pedras: 1) o ibope já não é mais o mesmo dos áureos tempos; 2) grandes anunciantes se afastaram pressionados pela campanha Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania, da Câmara dos Deputados; 3) o Ministério Público criou uma estrutura de controle da programação e endureceu com as redes.

Pára, pára, pára
É exatamente essa lista tríplice de argumentos que faz com que a cúpula da Rede TV! esteja seriamente inclinada a se livrar de João Kléber e de seu bordão "pára, pára, pára" a partir de 2006.
No Ibope, seu desempenho já não é dos melhores. A situação de João Kléber se agravou muito na semana passada, quando a Justiça tirou a Rede TV! do ar em São Paulo em razão de seu programa "Tarde Quente".
Desta vez, a denúncia foi por ofensa a homossexuais, mas o apresentador já foi acusado de humilhar mulheres, de armar o "Teste de Fidelidade" e outras brigas e até de simular o próprio desmaio ao vivo. Liderou por várias vezes o ranking da baixaria da Câmara dos Deputados. Diante de tanta confusão e de uma imagem cada vez pior, João Kléber perdeu um de seus grandes financiadores, a Marabraz.
Assim que foi informada da liminar que determinava a suspensão do "Tarde Quente" por 60 dias, a direção da rede de móveis decidiu cortar o patrocínio ao programa do apresentador. Em comunicado, a empresa afirmou que sua "missão é trabalhar para o bem-estar de seus consumidores e da comunidade". "Por isso, em virtude das ações contra a veiculação de programas que incentivam a baixaria na TV, a empresa optou por atender aos anseios da comunidade, suspendendo o patrocínio ao programa "Tarde Quente", de João Kléber."
Esse pode ter sido o xeque-mate contra o apresentador. A Folha deixou recado em seu celular, mas não obteve retorno até a conclusão desta edição, na noite de quinta. A assessoria de imprensa da Rede TV! afirmou que o apresentador estava em Portugal, onde seu programa é exibido com sucesso de audiência.
Em junho deste ano, quando liderou o ranking da campanha contra a baixaria, o apresentador deu a seguinte declaração à Folha: "Eu procurei a organização da campanha para me informar sobre os critérios do ranking, mas percebi que se pretende interferir na liberdade de criação e de expressão artística, como que querendo impor ao telespectador o que ele deve ou não assistir. Ao que parece, a grande inovação tecnológica chamada controle remoto não chegou ao conhecimento de alguns".

Na toca
Espécie de "pai" de João Kléber, Carlos Massa, o Ratinho, há tempos já não é mais o mesmo que surrava a mesa com um cassetete, gritava sem parar e quebrava televisores diante das câmeras. Sua mudança para um programa mais "light" é reflexo da pressão de ações judiciais por danos morais, falta de anunciantes de grande porte e queda de audiência.
Diante disso, Silvio Santos colocou em prática sua especialidade: mudar várias vezes o programa de formato e de horário.
Só neste ano, o "Programa do Ratinho" foi trocado quatro vezes de lugar na grade de programação. Terminou fora do horário nobre (ocupado por Ana Paula Padrão e novelas) e teve de engolir o vespertino, com menos telespectadores. Além disso, Silvio Santos cogitou trocar seu nome para "Isto É Brasil", "Ratinho Late Show" e até "Ratinho Charmoso" (numa tentativa de "suavizar" a imagem do apresentador). Resolveu manter o clássico, mas mudar o formato. Ratinho é agora âncora de um "jornalístico" popular, com reportagens de comportamento e auto-ajuda de saúde.
Diante de tantas mudanças, Carlos Massa está enfraquecido nos bastidores e enfrenta especulações de novas trocas de horário e até da possibilidade de Silvio Santos não renovar seu contrato.
Ratinho foi procurado pela Folha por meio de sua assessoria de imprensa, que não retornou as ligações até a conclusão desta edição. A assessoria do SBT nega que a emissora tenha planos de tirar o "Programa do Ratinho" do ar. Afirma que "o conteúdo foi alterado, o que gerou qualificação de público e de anunciantes".

Saias
Representante feminina da década trash, Márcia Goldschmidt já foi apelidada de "João Kléber de saias" e, assim como ele, vive uma crise profissional. Neste ano, a Bandeirantes a vendeu como a "Oprah" brasileira (em referência à bem-sucedida apresentadora norte-americana), apostando numa "plástica" capaz de tirar de Márcia a imagem de "barraqueira". Não colou. Dois meses após a estréia de seu "Jogo da Vida" diário, a direção da Band decidiu suspender as gravações. As reprises vão ao ar até dezembro, e em 2006 o programa sai do ar.
A reportagem deixou recado no celular da apresentadora, mas também não obteve resposta. Em agosto, ao ser questionada pela Folha se conseguiria apagar sua imagem do passado, ela respondeu: "Acho que essa imagem não existe, é uma percepção errada. A Band não apostaria numa apresentadora com uma imagem prejudicial. Pode ser que em algum momento tratar da realidade tenha sido considerado barraco, mas então a vida é um grande barraco e não posso fazer nada".
Por último, há Sérgio Mallandro, com um programa trash independente exibido aos sábados na Gazeta, que, não raro, registra traço de audiência no Ibope.


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