São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

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CRÍTICA

"Weeds" ironiza os paradoxos da América

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Os seriados vêm levantando a ponta do tapete do modo de vida norte-americano para revelar o lixo que tentam empurrar para baixo. "Weeds", série recém-estreada no GNT, é o mais recente de uma linhagem que ainda inclui "Six Feet Under" e "Desperate Housewives".
"Weeds" recicla o argumento de "O Barato de Grace", filme inglês sobre uma dona-de-casa que vê no tráfico de maconha uma maneira de ganhar a vida depois que enviúva. Na TV, em vez da Inglaterra rural e da suavidade matronal de Brenda Blethyn do filme de Nigel Cole, temos uma cidadezinha da Califórnia e o charme irônico de Mary-Louise Parker.
O mote inicial é em tudo semelhante, mas, enquanto o filme, por sua extensão, explora de modo concentrado a situação absurda, no seriado o absurdo funciona como provocação. É como se, passando para o lado de "lá" da lei, Nancy Botwin fosse alçada a um lugar privilegiado do qual pudesse ver melhor as contradições e ambigüidades da América contemporânea.
A naturalidade com que aparece a solução adotada por Nancy Botwin para ganhar a vida parece combinar com um princípio que rege o espírito mercantil da sociedade norte-americana: não importa muito de onde vem o dinheiro, importa, isso sim, que ele faça a roda do consumo girar. Nesse sentido, vender maconha no seriado funciona quase como uma metáfora dos mecanismos amorais do capitalismo moderno.
Apesar desse teor crítico, o tom é humorístico e, estranhamente, parece estar pouco se lixando para o politicamente correto. Nancy compra a droga num bairro barra-pesada, na casa de uma família negra, em que, para reforçar os efeitos cômicos do estereótipo, fala-se quase que um patoá recheado de gírias.
Como em "Desperate Housewives" e "Six Feet Under", também em "Weeds" há cenários e mise-en-scène com textura hiperrealista: as cenas da abertura que mostram uma cidade assustadoramente uniforme, a "perfeição" que parece emanar das casas e de seus habitantes de aparência agressivamente "saudável", os personagens tão típicos que tangenciam o caricato...
Mas "Weeds" tem algo que essas outras não têm, e esse algo é Mary-Louise Parker. OK, as "housewives" desesperadas são (quase todas) ótimas atrizes de TV, mas Mary-Louise tem aquela qualidade reservada a alguns poucos atores de tornar qualquer aparição memorável, menos por seu virtuosíssimo em cena, do que por uma espécie de esquisitice. E é raro que mulheres explorem mais sua estranheza do que seus outros dotes.
Mary-Louise nunca teve um grande destaque no cinema, embora tenha papéis marcantes em filmes considerados cult da década passada, como "Tomates Verdes Fritos" e "Grand Canyon", mas parece agora ter achado o lugar perfeito para ser cool.

@ - biabramo.tv@uol.com.br


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