|
Texto Anterior | Índice
FERREIRA GULLAR
Sinal de alerta
Lembram-se de quando
muita gente dizia que o presidente da República não resolvia
os problemas do país porque não
queria? Estava na moda "a vontade política"... Claro que a vontade de resolver os problemas é
imprescindível, mas não basta.
Pode haver exceções, mas, no geral, o presidente não resolve os
problemas porque eles são difíceis
de resolver e porque são muitos.
Todo presidente -ou porque deseja preservar uma boa imagem
na memória do povo ou porque
quer se reeleger- procura governar da melhor forma possível. Isso não significa que o conseguirá,
e aí entram os mais diversos fatores, desde o apoio que obtenha no
Congresso, a correlação de forças
econômicas e políticas que o sustentem ou combatam até o rumo
que imprima à sua administração, os auxiliares que escolha e a
sua própria capacidade administrativa.
Sim, porque há políticos que
adoram o poder, têm enorme prazer em fazer política, mas horror
a governar. Examinar um a um
os problemas, discutir com seus
ministros cada detalhe e as conseqüências efetivas desta ou daquela medida, são para certos governantes tarefas intoleráveis, verdadeira tortura. Brizola era um que
adorava discutir política, articular, conchavar, mas dos problemas administrativos fugia às léguas. Lula tampouco quer saber
dessas questões; há ministros que
dizem nunca ter conseguido despachar com ele nestes 36 meses de
governo. O que ele curte mesmo é
fazer reuniões e discursar, como
na sua época de líder sindical. E,
por curiosa coincidência, tanto
um quanto outro tiveram medíocre desempenho como deputados
federais, talvez porque, para legislar, seja necessário se empenhar
no estudo das leis existentes e das
novas propostas, coisas que dão
no saco.
Como o presidente não governa
sozinho, pode compor uma equipe que venha a suprir suas deficiências, mas isso depende, entre
outras coisas, de senso autocrítico
e de modéstia, virtudes nem sempre comuns nos políticos.
A ilusão de que basta vontade
política para governar conduz a
uma outra ilusão, a do salvador
da pátria, e a ignorarmos que as
dificuldades são reais, que é difícil
governar um país como o Brasil,
marcado por enorme desigualdade de renda e grande desequilíbrio regional. A paixão político-ideológica desloca a discussão dos
problemas concretos para o plano
das acusações mútuas, das conspirações inventadas, da busca de
desforra, enfim, para o plano que
convém aos que nada querem
mudar de fato.
Quanto mais ignorarmos os
problemas reais, mais difícil se
tornará diagnosticá-los e conseqüentemente mais difícil será resolvê-los, mesmo porque, além
disso, deve o governante enfrentar interesses de toda ordem, tanto no plano político quanto no
econômico, agravado pela venalidade daqueles políticos que querem tirar vantagens de cada situação. Para governar, o presidente tem que negociar com os
próprios aliados, o que o obriga a
concessões sucessivas na aprovação dos projetos de governo. O resultado, no final, é quase sempre
entrar pelo desvio demagógico do
populismo, ou seja, dos projetos
que nada resolvem de fato, mas
garantem votos para a próxima
eleição. Assim, se adia a solução
dos problemas estruturais e se
mantêm as condições inaceitáveis
em que vive a maioria da população, sujeita a pagar o preço da demagogia e, sobretudo, do jogo de
interesses daqueles que, de um
modo ou de outro, detêm o poder.
Juntam-se, num conciliábulo espúrio, as forças econômicas e políticas, que passam a usar a máquina do Estado em função de seus
próprios interesses. O povo, que,
com seu trabalho e os impostos
que paga, sustenta essa máquina,
ganha mal, não tem assistência
médica, não tem segurança e vê
com temor o futuro de seus filhos.
Em face disso, a conclusão inevitável a que se chega é que a classe política, aliada a outros grupos
de poder, se apropriou da máquina do Estado e tem como objetivo
principal garantir as vantagens e
os privilégios que conquistou. Os
interesses individuais dos legisladores e os interesses eventuais dos
partidos e dos grupos se sobrepõem à solução dos problemas do
país.
Espero que estas considerações
um tanto esquemáticas que aqui
faço, embora nada tenham de novo, soem como um sinal de alerta
para uma situação que, se não for
mudada, pode conduzir o país,
em curto prazo, a uma crise muito mais grave do que a atual.
Uma crise (de que esta que vivemos agora é um sintoma) que poderá comprometer a ordem social
e a governabilidade. A maioria
da população não costuma se deter em análises políticas, mas o
acúmulo de escândalos de toda
ordem, envolvendo os gestores da
máquina estatal, o Congresso, o
Poder Judiciário e a própria Presidência da República, leva-a inevitavelmente a descrer desses poderes. E as conseqüências disso
são imprevisíveis. Se a crise ainda
não se manifesta nas ruas, é porque as entidades mobilizadoras
estão alinhadas com o governo.
Mas estas também se arriscam a
se desmoralizarem.
Diante disto, a pergunta é: de
que modo se expressará esse descontentamento se o povo se convencer de que o regime democrático se tornou uma farsa?
A responsabilidade do que venha a ocorrer cabe aos protagonistas da cena política brasileira.
Texto Anterior: Novelas da semana Índice
|