São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 2008

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Atores e diretores renovam legião "gringa" em SP

No Teatro Oficina, alemã Juliane Elting já interpretou vaca e cavalo; italiana Valentina Lattuada tem papel central em montagem do CPT

"Delegação" estrangeira conta ainda com Mauro Vedia (uruguaio), Thomas Holesgrove (australiano) e Alvise Camozzi (italiano)


CRISTINA LUCKNER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma se juntou à trupe do Teatro Oficina depois de ser "a única alemã de quem eles conseguiram tirar a roupa" e, três anos (e papéis de vaca e cavalo) depois, não se acanha em soltar gírias como "truta" e "firmeza". A outra saiu de Milão "na louca" em 2006 e, "inventando palavras e acertando algumas", foi parar no Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho.
Na ala masculina da imigração para os palcos paulistanos, há quem tenha vindo do Uruguai "atrás do trio elétrico". Ou da Austrália, por obra dos orixás. Ou da Itália, por amor.
Mais de 65 anos após a chegada do ator e diretor polonês Zibgniew Ziembinski (1908-1978), um dos fiadores do teatro brasileiro moderno (leia mais ao lado), nomes como Juliane Elting, Valentina Lattuada, Mauro Baptista Vedia, Thomas Holesgrove e Alvise Camozzi renovam a legião estrangeira nas coxias de São Paulo.
Em maio de 2004, Juliane abriu uma revista teatral e leu sobre o Oficina, que apresentava "Os Sertões" na Alemanha. Foi aos quatro dias de espetáculo. O convite para fazer parte do grupo veio do diretor Zé Celso Martinez Corrêa. Ela recusou. No mesmo ano, veio ao Brasil a passeio e deixou para visitar o teatro no fim, "como se quisesse evitar o destino".
De volta à Alemanha, foi a outra apresentação do Oficina, em outubro de 2005, e rendeu-se. Por aqui, brinca que se especializou em interpretação de "quadrúpedes". "O Zé Celso era rígido comigo por causa da língua. Um ator sem sua língua se sente um nada. Não há como se esconder atrás das palavras."

Peça sem falas
Para o australiano Thomas Holesgrove, 35, radicado na cidade desde 2002, o paliativo foi escrever uma peça sem diálogos, "Nasos e Flora".
Mais tarde, por conta das diferenças de fonemas entre português e inglês, estudou novas técnicas vocais. "Tive de reaprender a usar o fôlego, a boca e a ressonância da voz", conta.
Holesgrove mudou-se para o Brasil quando conheceu Luciana, sua esposa, e os orixás -ela pesquisava as religiões africanas. Aqui, criaram a companhia Arte Tangível. "Me interessei imediatamente pela pesquisa do candomblé. Está aí uma diferença grande entre fazer teatro no Brasil e na Austrália: aqui se dá importância a grupos de pesquisa de teatro."
A abertura à experimentação é também o diferencial da cena local em relação à italiana, diz o ator e diretor Alvise Camozzi, 34, que chegou em 2001 e já trabalhou com Gabriel Villela ("Fausto Zero") e Renato Borghi ("Timão de Atenas"):
"O Brasil te estimula a buscar outras possibilidades. No meu país, não teria tido a oportunidade de estrear na direção, porque há uma casta de diretores que dominam o circuito".
Ele diz, entretanto, que é mais fácil fazer turnês com espetáculos na Itália, graças aos mecanismos de financiamento e distribuição. Outras diferenças são a quase inexistência de testes para elencos teatrais no Brasil, além da (salutar, ele crê) ausência, por aqui, de uma "língua teatral empostada".

Criação de atmosferas
O uruguaio Mauro Baptista Vedia, 44 (sendo 20 de Brasil), diretor de "A Festa de Abigaiu", diz que, por um tempo, ser estrangeiro o prejudicou. "Não conhecia os códigos. Depois, percebi que podia até me ajudar ser de fora e que São Paulo tinha um quê de Montevidéu que cresceu uma barbaridade."
Para ele, a marca do teatro brasileiro é a "fantástica capacidade de criação de atmosferas, de mise-en-scène". Vedia só faz ressalvas à direção de atores, "que ficou subestimada nos últimos anos".
Crítica que certamente não se aplica ao teatro de Antunes Filho, a cujo rigor a italiana Valentina Lattuada, 27, foi apresentada em 2006, um mês e meio depois de chegar a São Paulo. Ela gostou. "Sou CDF. Preciso de precisão, pontualidade, o que encontrei no CPT."
A atriz afirma que, em seu país, há menos diversidade no circuito teatral alternativo. "Aqui, se há uma idéia, há um jeito de fazer. A cidade é efervescente. Na Itália, é como se tivesse uma coisa cínica, velha, parada, "vamos ficar no que a gente já sabe"."


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