São Paulo, sexta-feira, 20 de novembro de 2009

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Crítica / "Strindbergman"

Peça funde violência silenciosa de obras de Strindberg e Bergman

Texto teatral e filme dos artistas suecos se amalgamam e resultam em bela encenação da sondagem da alma humana

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Teatro e cinema amalgamados fazem o velho drama luzir. "Strindbergman", que funde as dramaturgias de August Strindberg e Ingmar Bergman, é um triunfo da palavra como anzol certeiro na sondagem da alma humana.
Justapondo a peça "A Mais Forte", escrita por Strindberg em 1889, ao contexto dramático de "Persona", filme de Bergman de 1965, o espetáculo sintetiza essas obras-primas em uma forma híbrida. Em produção francesa, as excelentes atrizes brasileiras Nicole Cordery e Janaína Suaudeau contracenam ao vivo recuperando os diálogos do filme e, em cena gravada, a peça.
Nicole, na cena, é Elisabeth, grande atriz do teatro que depois de uma crise psíquica afasta-se do convívio humano e silencia completamente. Na tela, ela é a senhorita Y, que tem encontro casual com a mulher de seu amante e ouve em silêncio a rival tagarelar banalidades.
Janaína, na encenação, é Alma, a enfermeira designada para cuidar de Elisabeth, que se exaspera com o silêncio da paciente na proporção em que seu afeto por ela se intensifica. Na projeção é a senhora Y, que enfrenta a interlocutora silenciosa passando da euforia à indignação. A graça do espetáculo é alternar-se entre essas tramas e planos de representação de modo a que uma terceira cena se constitua diante do espectador.
Se o tema da estridência potencial do silêncio nas relações humanas é o que enlaça os dois fios percorridos, uma sintonia mais fina associa a peça de Strindberg ao filme de Bergman.
Trata-se da curiosidade de ambos pelos seres humanos e sua capacidade de se infligirem o mal.
Strindberg, em "A Mais Forte", está imbuído das ideias de Darwin e projeta nas relações amorosas a violência da seleção natural. Bergman, em "Persona", descreve um processo mental de regressão e demonstra suas consequências destrutivas. Esse caráter de relato científico afirma-se por uma terceira personagem, "a doutora", na pele da impecável Clara Carvalho, que narra o episódio da atriz que silenciou do ponto de vista de quem a tratou.
As três atrizes se excedem nas interpretações, mas o espetáculo não teria resultado tão interessante sem as imagens projetadas, a cenografia e a iluminação de Nicolas Simonin. A inspirada solução de um espaço cênico ao mesmo tempo despojado e funcional, econômico e exuberante, adequa-se graciosamente com a tela e o discurso fílmico que ali se consuma.
Os méritos são extensivos à encenadora Marie Dupleix e a Didier Moine, que idealizou a experiência e morreu em 2008.
Mas, como acontece quando tudo se conjumina em um espetáculo, o grande vitorioso é o espectador, ao experimentar a força que a grande dramaturgia pode alcançar na alquimia de uma bela encenação.


STRINDBERGMAN

Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 20/12
Onde: Viga Espaço Cênico - sala principal (r. Capote Valente, 1.323; tel. 0/xx/11/3801-1843)
Quanto: R$ 30
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo




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