São Paulo, sábado, 20 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Mestres do suspense revezam estilos

Após lançarem livro de contos e romance, best-sellers Stephen King e John Grisham trocam de gênero em novas obras

Enquanto o primeiro se sai bem no volume "Full Dark, No Stars", o segundo enche linguiça em "The Confession"


KING PARECE CAPAZ DE ESCREVER HISTÓRIAS COMPACTAS OU IMENSAS COM A MESMA FACILIDADE



É UM ROMANCE SÓLIDO, MAS LERDO, QUE NÃO PODE SER INCLUÍDO ENTRE OS MAIS ESCALDANTES DE GRISHAM


JANET MASLIN
DO "NEW YORK TIMES"

Em novembro do ano passado, John Grisham lançou "Caminhos da Lei" (Rocco, R$ 38,50; 320 págs.), uma coleção de contos por um autor cuja especialidade são os romances jurídicos.
São histórias reveladoras. Demonstram quanta verve, suspense, informação e ambiguidade moral Grisham é capaz de inserir em uma estrutura básica de trama. Ele se prova capaz de realizar em 40 páginas o que normalmente faz em romances dez vezes mais extensos.
No mesmo mês, a Scribner publicou "Under the Dome" (sob o domo), de Stephen King, mais um de seus tijolos literários de mais de mil páginas. É um livro complicado, com tamanho de peso para portas, mas é uma das mais ágeis e enxutas realizações narrativas do escritor.
Passado um ano, a situação se inverteu. Grisham retomou o seu formato longo usual com "The Confession" (a confissão, a ser lançado pela Rocco em data a definir), sobre um homem injustamente condenado que aguarda execução em uma penitenciária do Texas.
E King decidiu trabalhar em modo curto com "Full Dark, No Stars" (escuro total, sem estrelas, sem previsão de lançamento no Brasil), uma coleção de quatro histórias assustadoras e com moral no final.
Dois dos mais prolíficos e constantes escritores populares americanos variaram o passo ao mesmo tempo. Como se saem no contraste entre formatos longos e curtos?
No caso de Grisham, é mais fácil avaliar devido à maneira mecânica pela qual "The Confession" foi construído. O livro inteiro gira em torno de um elenco pequeno e de uma premissa que envolve só três personagens.
Primeiro ele inventou Donté Drumm, um jogador negro de futebol americano que, em 1998, foi condenado pelo estupro e homicídio de Nicole Yarber, uma branca animadora de torcida que era sua colega de classe.
Depois, ele inventou Travis Boyette, um criminoso sexual vulgar que já passou pela prisão e chega a Topeka, Kansas. Ele sofre de um tumor cerebral incurável e alega ser o assassino de Nicole.
Então surge o reverendo Keith Schroeder, pastor luterano de Topeka que se vê em um dilema terrível quando Travis aparece, pergunta se pode fazer uma confissão confidencial e diz: "Fui eu. Não sei o porquê".

ENCHEÇÃO DE LINGUIÇA
Já que Travis confessou alguns dias antes da execução de Donté (que também confessou, mas sob coação de policiais corruptos), "The Confession" funciona como uma corrida contra o tempo.
Também serve como longa lição sobre as divisões causadas pelas questões raciais e as injustiças praticadas sob o sistema judicial do Texas.
Grisham amplifica a trama por meio de Robbie Flak, o advogado de Donté, que não tem tempo para ouvir o reverendo; do governador Gill Newton, que espera explorar o caso para ganho político; de Dana Schroeder, a paciente mulher do pastor; de Reeva Pike, mãe de Nicole, que quer explorar a execução; e de Sean Fordyce, um apresentador de TV picareta.
Grisham identifica Sean como "um irlandês escroto de Long Island", o que permite que o leitor extraia suas próprias conclusões. Há muita encheção de linguiça. O desfecho não oferece grande suspense e momentos decisivos transcorrem bem antes do final.
Assim, temos um romance sólido, mas um tanto lerdo, que não pode ser incluído entre as histórias mais escaldantes de Grisham. Os momentos de aprendizado são mais importantes que os de suspense, algo de que King jamais poderia ser acusado.

PROPULSÃO E AGRESSÃO
"Full Dark, No Stars", de King, tem muitos momentos puros de terror. O tamanho da população de roedores que o livro abriga bastaria para valer o rótulo "horror".
Mas o trabalho atrairá mesmo leitores que se incomodam com o excesso de detalhes sobre roedores, especialmente em "1922", o primeiro dos quatro contos. A história é narrada por Wolf James, um fazendeiro do Nebraska que pareceria muito simpático não tivesse cortado a garganta da mulher, jogado o corpo em um poço e implicado o filho do casal no homicídio.
Quem, a não ser King, conseguiria tornar cativante uma situação como essa? O escritor costuma declarar que os melhores trabalhos de ficção são tanto "propulsivos quanto agressivos" e seu novo livro prova esse ponto.
Quando Wolf enfim descreve seu crime, já estabeleceu uma voz confiável, crível e exibe traços de profundo arrependimento. (Como os três outros contos do livro, "1922" tem por protagonista uma pessoa envolvida em uma barganha faustiana.)
Por isso é possível, se bem que não fácil, pensar no aspecto brutal dessa história não do ponto de vista da violência física, mas como expressão do estado mental torturado do protagonista.

PODER IMAGINATIVO
Os outros contos são mais contemporâneos, menos infestados de ratos e mais fáceis de apreciar. "Big Driver" (grande motorista) se destaca porque o personagem principal, como King, é uma escritora conhecida. É fácil imaginá-lo rindo ao conceber Tess, muito amada por seus romances de mistério, queridos das velhinhas.
No começo da história, Tess está a caminho de uma noite de autógrafos em Massachusetts. Ela foi convidada como tapa-buraco depois que Janet Evanovich cancelou sua participação.
King diz que imaginou a premissa enquanto dirigia pela mesma estrada pelo mesmo motivo, ainda que todos saibamos que ele jamais é convidado a substituir outro escritor em uma noite de autógrafos. Mas, ao fazer uma parada, viu uma mulher com o carro quebrado e teve um rompante de inspiração.
Em "Big Driver", Tess primeiro se perde e depois termina muito ferida. E ela jamais esteve mais desagradavelmente cônscia de sua condição de celebridade do que ao tentar decidir o que fazer. Será que ousa denunciar o que lhe aconteceu? O ataque a mudará para sempre?
O esforço de Tess para restaurar sua dignidade e segurança, e também para obter justiça, se transforma em exibição envolvente do poder da imaginação de King.
"Fair Extension" (extensão justa) é a piada mais sombria do livro, sobre um homem doente que só consegue adquirir saúde e felicidade ao impor misérias a um amigo que costumava ser frequente alvo de sua inveja.
E "A Good Marriage" (um bom casamento), que fala de um casamento nada feliz, aponta alegremente para os sinais de perigo na longa união entre um discreto contador que coleciona moedas e a mulher desprevenida.
O mais interessante do conto não é o segredo que a mulher descobrirá, mas o fato de King parecer capaz de escrever histórias compactas ou imensas com a mesma facilidade e de fazer do mais anódino dos contadores uma fonte de frisson.
Não importa qual seja a extensão dos textos, King sempre deixa uma mensagem simples: "Tá dominado".


Tradução de PAULO MIGLIACCI

THE CONFESSION

AUTOR John Grisham
EDITORA Doubleday (importado)
QUANTO US$ 15,48 (cerca de R$ 26,47) na Amazon (432 págs.)

FULL DARK, NO STARS

AUTOR Stephen King
EDITORA Scribner (importado)
QUANTO US$ 14,51 (cerca de R$ 24,81) na Amazon (384 págs.)


Texto Anterior: Não Ficção
Próximo Texto: Raio-x: Stephen King
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.