São Paulo, segunda-feira, 20 de dezembro de 2004

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Com a corda toda

Ormuzd Alves - 3.abr.2002/Folha Imagem
O violoncelista Antonio Meneses na Sala São Paulo


Maior violoncelista brasileiro, Antonio Meneses lança dois CDs e reabre teatro no centro de SP

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ele está lançando dois discos, reinaugura um teatro amanhã e abre, no ano que vem, a tradicional temporada de concertos da Sociedade de Cultura Artística: só falta um bom filme para conferir ao violoncelista Antonio Meneses o mesmo status de unanimidade no mundo brasileiro da música clássica já possuído pelo pianista Nelson Freire.
O Brasil nunca teve um instrumentista de arcos como Meneses. Nosso primeiro músico a ter seu talento reconhecido fora de nossas fronteiras foi o compositor Carlos Gomes (1836-96), regendo suas óperas na Itália, no século 19.
Depois, tivemos o também compositor Villa-Lobos (1887-1959); a cantora Bidu Sayão (1902-99); e os pianistas Guiomar Novaes (1894-1979), Magdalena Tagliaferro (1894-1986) e Nelson Freire, entre outros. Nas cordas, contudo, o primeiro -e, até agora, único- grande êxito internacional veio com o pernambucano radicado na Suíça Antonio Meneses, 47, que, em 1982, causou furor ao vencer o Concurso Tchaikovski de Moscou. Na mesma década, gravou para a poderosa Deutsche Grammophon dois discos com a melhor orquestra do planeta, a Filarmônica de Berlim, que era dirigida, à época, pelo mais poderoso regente do mundo, o germânico Herbert von Karajan (1908-89).
Meneses, que se apresenta amanhã em São Paulo, na reabertura do centenário Teatro São Bento, teve um novo alento em sua carreira a partir de 1998, quando passou a fazer parte de uma das mais tradicionais formações de câmera do planeta: o Beaux Arts Trio, fundado em 1954 pelo mítico Menahem Pressler, pianista nascido na Alemanha em 1923, que está em plena atividade e tem autoridade suficiente para continuar carregando o nome do grupo, mesmo já tendo trocado várias vezes de parceiros de cordas.
Meneses falou por telefone à Folha de Nova York, no meio de uma série de recitais com Pressler e seu outro parceiro de trio, o violinista britânico Daniel Hope. Nos EUA, eles estão apresentando não apenas todos os trios, mas também a integral dos duos de violino e piano e violoncelo e piano de Beethoven. O grupo trocou de gravadora, saindo da Philips para a Warner Classics, que lançou um álbum comemorativo dos 50 anos do Beaux Arts -o primeiro disco de Meneses na nova formação, com o "Trio nš 1", de Mendelssohn, e o "Trio Dumky", de Dvorák. Ano que vem, devem ser registrados os trios de Schubert.
Além disso, na etiqueta britânica Avie Records (com distribuição no Brasil do recém-criado selo Clássicos), Meneses acaba de lançar sua versão da Bíblia dos violoncelistas: as seis suítes para seu instrumento, sem acompanhamento, escritas por Johann Sebastian Bach.
"Eu toco as suítes desde criança", conta o instrumentista. "No meu primeiro recital, ainda garoto, com 12 anos de idade, eu já toquei uma delas. Elas fazem parte da vida de todo violoncelista, como as sonatas de Beethoven são para todo pianista. Só que, como o violoncelo tem um repertório muito reduzido em comparação ao piano, isso aumenta a importância das suítes de Bach."
A primeira gravação de Meneses dessas obras ocorreu há dez anos, no Japão, com o violoncelo que pertenceu a Pablo Casals. Contudo, a distribuição do álbum ficou restrita ao Oriente. "O músico em si não muda, e a música também não. Mas dez anos fazem diferença na vida de qualquer pessoa", diz. "O simples fato de estar tocando há seis anos com um grande músico como Menahem Pressler já faz uma diferença. Eu acredito que, nessa gravação, Bach fala mais alto do que Meneses. Eu diria que eu estou numa espécie de meio-campo entre o que se faz na música antiga e o que o instrumento, da maneira como ele é feito hoje em dia, oferece de possibilidades."
Ele conta que a vantagem de gravar por uma firma pequena como a Avie é poder ser dono do fonograma. "Isso é que me possibilitou lançar o disco no Brasil. Antigamente, você simplesmente cedia todos os direitos do seu trabalho", afirma.
Neste esquema, a Avie tem atraído artistas destacados, como os regentes Semion Bychkov e Michael Tilson Thomas, e o violinista Shlomo Mintz. No ano que vem, Meneses pretende recorrer à empresa inglesa para registrar as sonatas para violoncelo e piano de Beethoven, ao lado de Pressler.

Criação contemporânea
Em abril, Meneses mostra a integral das suítes de Bach na abertura da temporada 2005 da Sociedade de Cultura Artística. Para a ocasião, ele encomendou meia dúzia de peças curtas para seis distintos compositores brasileiros (Almeida Prado, Edino Krieger, Marlos Nobre, Marisa Rezende, Ronaldo Miranda e Marco Padilha), cada uma servindo como introdução para uma suíte diferente do autor alemão.
A iniciativa parece marcar uma nova fase de compromisso do instrumentista com a criação contemporânea. Na sétima edição do festival Virtuosi, em Recife, que o homenageou na semana passada, Meneses tocou uma peça nova de Clóvis Pereira; estreou, em julho, no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, uma sonata de Almeida Prado; e encomendou concertos a Edino Krieger e Marco Padilha.
"Até pouco tempo atrás eu ainda estava muito fascinado com os grandes compositores do passado. De repente, vi que a gente tem que viver no presente também, e que existem compositores que precisam da gente. O compositor não pode viver sem o intérprete."
"Ouvindo uma obra do Marco Padilha, o concerto que ele escreveu para viola, eu me conscientizei disso. Um compositor como este está praticamente desconhecido, mesmo no Brasil, mas é um ótimo músico, e precisa que os intérpretes vão a ele", preconiza. "Se não fosse um músico como o Rostropovich, o violoncelo não teria o repertório atual, com obras de Chostakovitch, Lutoslawski, Prokofiev, Dutilleux -todo esse pessoal escreveu para ele."
Em sua apresentação de amanhã, Meneses é acompanhado pelo pianista holandês Frédéric Meinders. O programa traz "Phantasiestücke" de Schumann; "Elegie", de Fauré; e as sonatas de Debussy e Rachmaninov.

ANTONIO MENESES. Concerto com Frédéric Meinders (piano). Onde: Teatro São Bento (lgo. São Bento, s/nš, São Paulo, tel. 0/xx/11/3328-8799). Quando: amanhã, às 21h. Quanto: R$ 120.


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