São Paulo, terça-feira, 20 de dezembro de 2005

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CINEMA

Membros de organização libanesa falam sem remorso sobre mortes de 1982

Filme relembra massacre de refugiados palestinos

ANDREW HAMMOND
DA REUTERS

Vinte e três anos depois de assassinar refugiados palestinos a golpes de facão, os criminosos libaneses responsáveis pelas mortes não demonstram remorso ao relembrar o massacre em um documentário perturbador que está em exibição no Oriente Médio.
A diretora alemã Monika Borgmann mostra, em "Massaker", seis dos autores da chacina falando pela primeira vez sobre o papel que desempenharam em um dos mais infames massacres acontecidos durante a guerra civil que devastou o Líbano entre 1975 e 1990.
Depois de diversos meses de trabalho para localizar e fazer contato com membros das Forças Cristãs Libanesas, organização paramilitar apoiada por Israel, Borgmann conseguiu convencê-los a falar sobre a chacina.
"Foi um longo processo de construção de um relacionamento de confiança mútua. A atitude que eles assumiram era que não deveríamos ser tratados como cúmplices, mas não estávamos lá para julgá-los", disse a diretora em Dubai (Emirados Árabes Unidos), recente parada do filme.
Centenas de refugiados palestinos foram mortos brutalmente por membros de forças paramilitares libanesas nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, durante a invasão israelense ao Líbano, em 1982. A chacina se prolongou por diversos dias.
O documentário incomoda devido à falta quase total de remorso de parte dos matadores, cujos rostos sempre ficam na sombra. Falando numa sala, com o barulho do trânsito de Beirute e raios de sol se infiltrando pelas janelas fechadas, eles desenharam diagramas mostrando como se moveram de setor a setor dos campos, "fazendo a limpa" em cada área.
Os matadores manuseavam fotografias do massacre e tentavam lembrar se estavam presentes em certas cenas, enquanto a câmera focalizava seus músculos, a maneira como seguravam um cigarro ou mãos acariciando um gato.
Um deles conta como agarrou um idoso e abriu-lhe o ventre em forma de cruz. "Você está sendo executado em nome de Bashir Gemayel", pronunciou, em referência ao presidente do Líbano morto dias antes do massacre. "Com um enforcamento ou a tiros, a pessoa simplesmente morre, mas aquele tipo de morte vale o dobro. Você morre duas vezes, porque também morre de medo", disse em tom brincalhão, descrevendo a carne e os ossos à mostra.
A atrocidade continua a ser motivo de controvérsia. As Forças Cristãs Libanesas comandadas por Gemayel haviam decidido fazer causa comum com o Exército israelense, para expulsar do Líbano a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Os responsáveis pelo assassinato de Gemayel jamais foram identificados. Enfurecidos, os partidários de Gemayel se vingaram dando início a uma orgia de violência nos campos de refugiados.
No filme, os homens falam de seu obsessivo amor por Gemayel, de seu ódio pelos palestinos e de como se acostumaram à violência, à medida que a guerra prosseguia e as atrocidades ficavam cada vez mais graves. Eles oferecem detalhes ocasionais sobre as conexões entre Israel e a organização que os israelenses ajudavam a treinar. Descrevem viagens a Israel e filmes lá vistos sobre a tentativa nazista de exterminar os judeus na Segunda Guerra.
Os milicianos revelaram seus esforços frenéticos para ocultar o maior número possível de cadáveres antes da chegada da imprensa, o que ajuda a explicar por que até hoje não foi determinado o número preciso de mortos.
Um deles diz que o Exército israelense forneceu às forças libanesas grandes sacos plásticos para os corpos. Eles contam ter usado produtos químicos para destruir muitos deles. Vários mencionam o fato de que oficiais do Exército israelense se reuniram com líderes das forças paramilitares na noite anterior ao massacre.
Nenhum dos assassinos foi levado à Justiça. "Todos levam vidas normais. Um deles se tornou motorista de táxi", diz a diretora.


Tradução Paulo Migliacci

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