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Comida
À mesa com a corte
Historiadora prepara livro sobre comilança da família real , com detalhes como a queda por cachaça de Carlota Joaquina
JANAINA FIDALGO
ENVIADA ESPECIAL A PETRÓPOLIS
Do apreço de dom João 6º
pelo consumo, em uma única
refeição, de três frangos e uma
seqüência de cinco mangas,
descascadas por ele, muitos já
ouviram falar. Das predileções
gastronômicas dos outros
membros da família imperial
pouco se sabe, ou se sabia.
Chega às livrarias no próximo ano, quando se completa
200 anos da vinda da família
real para o Brasil, um livro sobre os hábitos alimentares de
personagens como dom Pedro
1º e a princesa Isabel. Editada
pela Jorge Zahar, a obra é resultado de uma pesquisa feita pela
historiadora portuguesa Ana
Roldão, 45, gerente de negócios
do Museu Imperial de Petrópolis, e escrita em parceria com o
jornalista Edmundo Barreiros.
"Acompanha toda a trajetória do Brasil Império. Começa
conosco, lá em Portugal, e segue a família real até aqui. Não
será um livro científico, e sim
uma obra romanceada em cima
de fatos históricos", diz Roldão,
em entrevista à Folha. "Quando abri o bistrô [Petit-Palais,
na propriedade onde fica o museu], as pessoas perguntavam:
"Tem comida do imperador? O
que dom Pedro 1º comia? E a
princesa Isabel?". Eu não fazia
a menor idéia do que comiam."
De tanto ouvir tais perguntas, a historiadora decidiu ir a
campo, pesquisar. Recorreu a
documentos históricos, às anotações dos mordomos da família (sobre a aquisição de insumos para a casa imperial), aos
cadernos de ucharia (que relacionam os itens da despensa), a
livros portugueses de receitas
do século 19, aos menus escritos, aos cardápios de viagens e à
correspondência, principalmente, da princesa Isabel.
"Tem pouca coisa escrita sobre a alimentação deles, mas o
material gráfico é rico, há uns
menus bonitos", diz. "Não vou
falar sobre comida trivial. Vou
entrar no cerimonial, como
eram os banquetes, se comiam
ordinariamente, ou não."
Litros e litros de cachaça
Entre as revelações do livro,
com título provisório de "Banquetes Reais", está a predileção
da princesa Isabel pelos doces
de ovos e sorvetes. "Há uma
forte influência portuguesa no
gosto dela. É alucinada por todos esses doces portugueses.
Adora pão-de-ló, chá. É uma figura bem rica para trabalhar
com alimentação, pois fala
muito de comida", diz a historiadora. "Reclama do jejum que
tem de fazer na Quaresma, diz
que não agüenta mais o peixe
em lata e as batatas cozidas."
Um dos preferidos da autora
é dom João 6º, "um bom garfo"
que também adorava falar sobre comida. "Vou reproduzir
no livro um documento em que
ele conta dos três "frangãos",
não frangões, que comia. Menciona o cozinheiro dele, Alvarenga, dizendo que ninguém
sabia prepará-los como ele."
Ainda que grande parte dos
produtos consumidos pela família viesse de fora (amêndoas,
lebres, pistache, chá), coube a
dom João 6º introduzir ingredientes brasileiros na dieta alimentar da família, especialmente na própria, caso da manga (de Itu) e da goiaba.
A respeito de Carlota Joaquina, há dados, digamos, curiosos, como a grande quantidade
de cachaça que encabeça a lista
de compras da cozinha do palácio onde ela vivia -que não era
o mesmo do marido, d. João 6º.
"Na Torre do Tombo, em Lisboa, um documento aponta que
eram consumidas muitas unidades de aguardente de cana
por mês, a maioria destinada ao
quarto e à cozinha de Carlota.
Ela tomava aguardente misturada com sucos de frutas frescas, pois sofria demais com o
calor brasileiro. Tinha necessidade de hidratar o corpo. Mas
não adianta só dizer que ela era
pinguça. No cruzamento de informações, percebe-se que a
alimentação das mulheres era
carregada nos doces, o que explica [o alto consumo], porque
a aguardente era usada para
conservar compotas de fruta."
Outra mulher da família imperial, dona Leopoldina, quando veio para o Brasil, em 1817,
casar com dom Pedro 1º, trouxe
na bagagem um carregamento
de repolhos, salmões salgados,
carne de porco e feijão-verde.
O garoto das cavalariças
Arredio à pompa e circunstância, dom Pedro 1º não dispensava um bom prato de arroz
com feijão. "Preferia fazer as
refeições na cozinha a comer na
sala de jantar. Tem um lado,
não só aquele fervoroso de
amantes e tal, mas humano, de
estar com as pessoas do povo.
Era o "garoto das cavalariças"."
Um dos relatos engraçados
levantados pela historiada trata de um dia em que Pedro 1º, já
imperador, foi cavalgando a
uma fazenda e chegou lá antes
da comitiva. "Sem se identificar, entrou pela cozinha e disse
à cozinheira que estava com
muita fome. E ela: "Ó moço,
posso dar algo simples, porque
estou esperando o imperador".
Ofereceu-lhe arroz, feijão, carne e aguardente. Quando o dono da fazenda entrou, viu o imperador sentado na cozinha, tomando cachaça, comendo a comida dos empregados e rindo."
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