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Comida
NINA HORTA
Do outro lado do balcão
Homenageio meus leitores representando-os através de um e-mail de comidas que se foram
VOCÊS ACREDITAM que
os Reis Magos tenham
vindo de tão longe até
uma manjedoura caindo de
pobre, com presentes de jóias
e perfumes para uma mulher
que recém parira um deus e
para um pai exausto? Alguma
sensibilidade haviam de ter e,
se não tinham, as mulheres
que os acompanhavam, claro,
imediatamente devem ter
posto mãos à obra com comida de alma.
Canja para a parturiente,
cordeiro bem molinho para o
pai, estas coisas que ninguém
conta e ficam só na mirra, no
ouro, para dar mais glória à
cena. Homenageio hoje meus
leitores tão participantes, representando-os através do último e-mail de comidas que
se foram buraco à dentro enviado por Neuzi Barbarini
-horrivelmente cortado por
mim, para caber no espaço.
"Hoje me deu vontade de
comentar sua crônica de comidas desaparecidas num almoço com colegas de trabalho. O cardápio era um barreado completo, pois estamos
em Curitiba e a faculdade tem
um projeto comunitário na
cidade de Morretes, uma cidadezinha linda, encravada
no pé da serra do Mar, onde
dizem que o prato foi criado.
O que deu origem à conversa
foi a dramatização que os homens fizeram (foram eles os
cozinheiros) da dificuldade
de achar carne de segunda para preparar o barreado. Viraram todos os supermercados
e açougues da região (classe
média alta) e não acharam nada, além de receberem olhares estranhados de "isso-não-é-carne-que-se-peça". Pois é,
a luta de classes chegou também nos açougues, traseiro
para os ricos e dianteiro para
os pobres. Encontraram a
carne numa favela próxima à
faculdade. E é claro que começamos a falar das comidas
desaparecidas, principalmente os do interior, que traziam
lembranças da farinha-de-biju com leite, açúcar e canela,
farofa de ovos com banana.
Lembrei-me das comidas de
minha avó, porque era só ela
que fazia daquele jeito. Do fogão de lenha e panelas de ferro saíam lombos recheados
(que eram feitos na panela, e
não assados) e ficavam inacreditavelmente macios. Bucho de boi, que ela passava o
dia limpando, aferventando
várias vezes e raspando com
faca até que ficasse branquinho (sem ficar branquelo como estes que são limpos com
água sanitária) e que depois
eram cozidos com um molho
de tomate e cheiro-verde,
aroma e sabor vindos não sei
de onde, pois este negócio
tem um cheiro ruim pra burro na fase da limpeza.
Na categoria "carnes", tinha
ainda uma posta que era deixada no fogão enquanto ela
fazia o jantar. Dormia ali,
sempre na panela de ferro,
aproveitando o quentinho
das brasas e, no dia seguinte, o
fogo já era aceso cedo para
que ela "acabasse de chegar",
como dizia minha mãe. [...] E
o arroz doce que faço igualzinho, com açúcar queimado
bem cozido, fica como um
creme de arroz, cheiroso e saboroso. E um doce que que
ninguém tinha ouvido falar,
que é polenta de laranja, fácil
de fazer, mas não faço porque
tem que ser com laranjas azedas, e onde encontrar isto hoje? Acho que nem no interior
tem mais, aquelas laranjas de
fazer caretas, pelo menos eu
nunca mais vi. É... lembrar
dessas coisas é bom."
E feliz Natal, leitores, com o
presente do bolo de papoulas
prometido para aqueles que
já sabem cozinhar um pouco,
receita de caderno de Ana Kovacs, feito pela Ana que não é
Kovacs. Derreter 100 g de
açúcar num copo de água.
Acrescentar 250 g de papoula
moída ou socada. Deixar ferver e escorrer a água. Acrescentar 1 copo de suco de laranja e mais 1/2 copo de vinho tinto. Deixar ferver mais uns minutos e reservar. Misturar 5
gemas com 120 g de açúcar.
Acrescentar 5 claras em neve,
mais 50 g de uvas-passas ou
frutas cristalizadas. Misturar
tudo muito bem e acrescentar
a mistura de papoula. Assar
em forno preaquecido em fôrma forrada de papel-manteiga
ou untada. Deixar o bolo esfriar, cortar ao meio e rechear
com uma fina camada de geléia não muito doce.
ninahorta@uol.com.br
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