São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

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De volta à cena

Em entrevista exclusiva à Folha, o lacônico escritor Peter Handke, conhecido pela parceria com Wim Wenders, fala sobre o livro "Don Juan'

Leonhard Foeger - 10.dez.2007/Reuters
O escritor austríaco Peter Handke, em Viena, para uma comemoração oficial de seus 65 anos


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor austríaco Peter Handke, 65, é um recluso. Vive há 18 anos em Chaville, perto de Paris, não usa e-mails, escreve a lápis e se "comunicou" com a reportagem da Folha via fax: "Obrigado... mas são tantas perguntas", reclamou.
Em uma única página, Handke disse que tentou colocar "aqui e ali" uma resposta para algumas das 21 perguntas. A primeira se referia a "Don Juan (Narrado por Ele Mesmo)", de 2004, que chega agora ao Brasil, numa retomada da edição de sua obra no país, iniciativa da Estação Liberdade.
Ainda neste ano deve sair "A Perda da Imagem ou Através da Serra de Gredos", de 2002. A editora está em negociação para publicar "clássicos" de Handke como "O Medo do Goleiro Diante do Pênalti", além de ensaios como "Tarde de um Escritor e "Ensaio sobre o Jukebox", e "Kali", livro lançado por Handke em 2007 e que, segundo ele, será adaptado para o cinema por Wim Wenders.
Em "Don Juan", Handke traz o lendário personagem para a contemporaneidade. Sua história, na verdade, não é contada pelo sedutor, mas narrada por um solitário cozinheiro, dono de um albergue próximo às ruínas de um monastério, na França. Por sete dias, Don Juan relata ao anfitrião seu périplo por sete lugares, ao longo de uma semana, envolvendo-se com sete mulheres. Diferente do personagem de outras versões, o Don Juan de Handke não é um libertino.
"Don Juan é um herói de nosso e de todos os tempos. Também é um antídoto para nosso tempo, um herói medieval como Lancelot ou Parsifal", escreve Handke. "Meu Don Juan é um homem mais fraterno e atencioso, como em Molière. É um homem da perda. Ele perdeu um ente querido. A esposa? Um filho? É sobretudo isso que atrai as mulheres."
A preocupação com uma economia verbal é marca registrada de Handke. Em 1966, numa conferência do Grupo 47, de que fizeram parte autores como os Nobel de literatura Heinrich Böll (1917-1985) e Günter Grass, o escritor chamou de "tola" a prosa alemã de então, que, segundo ele, sofria de "impotência descritiva".
Indagado pela Folha sobre como avalia a atual produção literária em alemão, Handke disse: "Receitas internacionais demais. "Weltliteratur" (literatura universal) de menos". Para ele, falta à língua alemã uma literatura que ultrapasse fronteiras, mas sem "fórmulas".

Controvérsia
Em 1996, Handke se envolveu numa polêmica defesa do ex-ditador sérvio Slobodan Milosevic, chegando a ir a seu enterro. Se arrepende do episódio? "Oh, não." Afastou-se da política após as críticas? "Não me sinto "afastado", sinto-me antipolítico. Exceto em questões da comunidade."
Há quase 20 anos na França, Handke diz que sua pátria continua sendo a língua alemã. Convidado para a Festa Literária Internacional de Parati, onde já esteve, declinou. Da literatura brasileira, considera "muito importante" Euclides da Cunha e "Grande Sertão: Veredas". Anda lendo o filósofo Ibn Arabi e a biografia do diretor John Ford, de Joseph McBride.
Em recente entrevista, Handke disse se sentir com "prazo limitado" com os 65 anos completados em dezembro. Questionado se não há vantagens na idade, Handke escreveu: "Estou feliz e livre aos 65. E assim saúdo a você, São Paulo e Paraty".


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