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MARCELO COELHO
Mistério das tatuagens
Observo que a moda das tatuagens coincide com outro fenômeno, o virtual sumiço da acne
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NÃO CONHEÇO muitos quarentões que usem piercing no
nariz ou que tenham adotado o estilo moicano no corte de cabelo. Mas nesta época de verão se
torna bastante visível, mesmo entre
pessoas de idade mais avançada, o
sucesso das tatuagens.
Sempre que vejo alguém tatuado,
fico torcendo para que o enfeite não
seja definitivo. Nos adolescentes, especialmente os homens, há casos de
radicalismo assustador. Parece que
estão usando camisa estampada, das
que no meu tempo eram comuns
entre os fãs de Roberto e de Erasmo.
Ao olhar com mais atenção, percebemos que a estampa tem motivos
esotéricos, parecendo uma embalagem de incenso para meditação. É a
Índia, o mundo hippie, o devaneio lisérgico que se inscreve diretamente
sobre a pele.
Sinto uma aflição danada diante
dessa eflorescência delirante. É como se esses jovens estivessem cobertos de fungos, de parasitas visuais, de uma colônia de invasores
extraterrestres, provenientes de não
sei que galáxia bidimensional.
A idéia dos fungos talvez não seja
tão arbitrária. Observo que a moda
das tatuagens coincide com outro
fenômeno recente no campo da visualidade "teen", que é o virtual desaparecimento da acne.
Antigamente, era comum ver adolescentes cobertos de espinhas. Os
tratamentos dermatológicos devem
ter melhorado muito, pois o problema quase desapareceu de vista. O
que antes era a face esburacada da
Lua ou de um asteróide insignificante foi então substituído pela superfície nebulosa, multicolorida e movente de Júpiter ou de Saturno, e espalha-se por todo o corpo.
Numa interpretação psicologizante, estaríamos diante de duas
formas distintas de lidar com a timidez. Sem dúvida, pode-se interpretar a acne como uma forma de esconder o próprio rosto.
Não nego que existam razões hormonais para as violentas alterações
que sofre a pele na adolescência,
mas entre a química dos hormônios
e os constrangimentos sociais típicos da idade deve haver uma interação mútua, sendo difícil estabelecer
a ordem de precedência causal desses fatores.
Pois bem, se a acne escondia o rosto, a tatuagem recobre o corpo, sem
deixar ao mesmo tempo de pressupor sua exibição.
Trata-se de uma particular mistura de exibicionismo e ocultamento,
de ostentação e subterfúgio. O paradoxo das tatuagens talvez corresponda, desse ponto de vista, a uma
coisa só: narcisismo.
É possível que, diante do espelho,
o jovem tatuado se relacione consigo mesmo e com um "outro" bem
variado: os tigres, sóis, arabescos e
divindades que recobrem sua pele.
Nesse sentido, não estaríamos
diante de um narcisismo puramente
interior em que o sujeito apenas
pensa em si mesmo, e não se liberta
da própria imagem, mas de um narcisismo exteriorizado, que precisa
de uma expressão gráfica, visual,
como é típico, aliás, na cultura adolescente.
Mas também se pode pensar no
oposto: é o olhar do outro, as fantasias do outro, que recobrem o corpo
do sujeito, que se torna uma espécie
de tela para a projeção de slides. A
tatuagem seria um meio de incorporar na própria pele os sonhos que os
outros projetam sobre nós.
Claro que a rebeldia e a identidade
adolescentes estão em jogo nesse
comportamento. Mas é como se os
ideais hippies ganhassem na nova
geração uma existência superficial,
epidérmica; as agulhas do LSD foram substituídas pelas do mestre tatuador, produzindo seus delírios à
flor da pele.
E os quarentões? Rabos de cavalo,
vá lá. Mas tatuagens? Creio que se
transformaram em substitutos imaginários para a plástica. Homens e
mulheres já meio passados pensam
adquirir um visual adolescente, sem
passar pela caretice de uma cirurgia
ou de um botox.
Tanto melhor, nessa perspectiva,
se as tatuagens forem definitivas: o
que se procura, sem dúvida, é a eterna juventude. Inútil alertar para a
fragilidade, até que simpática, desse
esforço de rejuvenescimento. Reproduzo, apenas, um caso que ouvi
outro dia.
É o de uma moça solteira que, já
faz bons anos, tatuou um coraçãozinho no ombro. Veio o casamento,
veio a gravidez, vieram os filhos e os
quilos. A epiderme distendeu-se. E o
coraçãozinho assumiu uma forma
indefinível, talvez de pulmão duplo,
de fígado, de mapa da Austrália, de
rondelli ao molho branco.
Não, não tenho dúvida. Plásticas
e lipos ainda constituem a melhor
solução.
coelhofsp@uol.com.br
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