São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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ENTREVISTA

PEDRO HERZ

Livro eletrônico não vai criar novos leitores

Segundo o livreiro, cuja rede abrirá três novas lojas neste ano e passará a vender no novo formato, poder da indústria eletrônica é a causa de tanta badalação

O DONO da Livraria Cultura, Pedro Herz, avalia que o alarido em torno dos e-readers, os leitores eletrônicos que para muitos extinguirão o livro de papel, não passa de "uma nuvem". A ameaça real ao futuro do livro, opina, é ausência de novos leitores entre os jovens. Para ele, há um apagão na educação do país que, somado à redução no tamanho das famílias instruídas, projeta uma perspectiva sombria para o livro no Brasil.

FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa viagem recente à Nova York, o dono da Livraria Cultura, Pedro Herz, fez um teste: ao andar de metrô pela cidade, observou quantos passageiros portavam e-readers. Em dez dias, encontrou um único leitor com o novo equipamento.
Herz diz já ter visto burburinho semelhante em outros tempos, e atribui tanto barulho à sede da indústria eletrônica por escoar os novos produtos que cria a cada ano.
Apesar do ceticismo, ele informa que em março a Cultura passará a vender 150 mil títulos de e-books em suas lojas.
Neste ano, a rede, que tem nove lojas (cinco em São Paulo e outras em Campinas, Recife, Porto Alegre e Brasília), abrirá mais três: Salvador, Fortaleza e uma segunda na capital federal.
Com mais de 3 milhões de títulos em catálogo e 1.400 funcionários (serão mais 400 para as três novas unidades), a Cultura teve faturamento de R$ 274 milhões em 2009, crescimento de 18% ante 2008.
Segundo Herz, está mantida a decisão de pôr fim à empresa familiar na terceira geração (ou seja, a de seus filhos) e de abrir em breve o capital. Por ora deu apenas o primeiro passo, se associando no ano passado ao fundo de investimento Capital Mezanino. O fundo tem 16% da empresa e a família Herz, 84% -Pedro preside o conselho.
Leia os principais trechos da entrevista que ele deu à Folha num restaurante paulistano.

 

FOLHA - Quando a internet surgiu como uma ameaça ao mercado de livros, a Cultura começou primeiro a vender online. O que fará agora, com o livro eletrônico?
PEDRO HERZ - Em março vamos disponibilizar 150 mil títulos em formatos para e-readers. Eu acho que é uma opção a mais para o leitor. Não vamos vender o hardware, só conteúdo. Os formatos são tantos que pode ser que você compre num formato [equipamento] que o seu leitor não leia. A Amazon fez isso com o Kindle. Se você compra um e-book na [livraria] Barnes & Noble e tem um Kindle, não conseguirá ler. Foi um tiro no pé da Amazon.
Está tudo muito cru, muito no início, e não sei bem como serão as vendas. Acho que bem pequenas. Acho o e-reader uma ferramenta fantástica, mas daí a virar o substituto do livro...
Já vi esse filme antes, já vi o VHS chegar e dizer que ia acabar com o cinema. Já vi, na Feira de Frankfurt, dizerem que o mundo ia virar CD-ROM, e o mundo não virou CD-ROM. A sensação que eu tenho é que a gente está vendo uma nuvem, que vai passar.

FOLHA - O sr. usa e-reader?
HERZ - Não, tem um monte na livraria, mas eu não uso.

FOLHA - Tem um monte para quê?
HERZ - Para conhecer. Estive em Nova York há pouco, passei dez dias, e fiquei muito atento a quantas pessoas eu ia ver lendo em e-reader. Gastei mais de US$ 80 em metrô, pra cima e pra baixo. Se eu te disser que vi um único cidadão com um na mão, você acredita? Em dez dias no metrô, onde todo mundo lia -ou uma revista, ou um jornal ou um livro-, eu vi uma pessoa com um e-reader. Um detalhe que me chamou a atenção foi que esse leitor lia segurando o aparelho com as duas mãos, e as pessoas que liam livros usavam uma mão apenas.

FOLHA - Em que medida esse rebuliço se deve ao poder de marketing da indústria eletrônica?
HERZ - Não só o marketing é tão forte, como a indústria, qualquer indústria, tem necessidade de criar modelos novos, seja do que for, e escoar os modelos novos. E existem coisas paradoxais: todo mundo trabalha para ter mais tempo de lazer, aí chega a indústria e desenvolve um computador que é um centésimo de milésimo de segundo mais rápido do que o seu e tenta te convencer a comprar o desgraçado. Peraí, mas se eu quero ter mais tempo, por que meu computador tem que ser Fórmula 1?

FOLHA - Qual a principal desvantagem do livro de papel?
HERZ - Imagina um advogado que vai fazer uma audiência no Acre e tem que levar aquela papelada do processo. Um editor de uma grande editora de livros, que recebe 50 livros novos por semana de todo mundo, para resolver se vai publicar ou não, ter isso digitalizado e num voo de 12 horas para a Europa olha o que lhe interessa. É de uma utilidade fantástica, mas não sei se é a melhor ferramenta para o leitor de livros. E tem outra pergunta: fará novos leitores? Quem não lê livro de papel, não vai passar a ler por causa do livro eletrônico. Eu não sei como reagirão os que estão na maternidade.
Acredito que quem faz leitor são os pais, inegavelmente. Os jovens leitores são filhos de leitores. Dificilmente aparece uma criança ou adolescente que não tenha os pais leitores. A grande campanha que na minha opinião deveria ser feita pelo governo é mais ou menos assim: "Se você não lê, como quer que seu filho leia?".

FOLHA - O sr. vê algum novo nicho a ameaçar as vendas nas livrarias?
HERZ - A grande ameaça que existe é a não formação de novos leitores. As famílias [ricas] que tinham cinco filhos há um século, hoje ou não têm nenhum ou têm um, no máximo dois. O número de leitores cresce pouco, se é que cresce. Se você pegar o universo da classe D, esse pai não tem orgulho nenhum do que faz, nem a mãe. Então a compra de um lápis significa para ele um investimento na educação de um filho. Acho isso extremamente bacana, é um raciocínio válido, mas sabemos que é insuficiente. O apagão do ensino ta aí, a dificuldade que temos de admitir gente é homérica. A gente aplica testes básicos do básico de conhecimentos gerais, quer que o candidato leia jornais, uma revista, que seja atualizado. Você pergunta quem escreveu "Dom Casmurro", metade levanta e vai embora. E são todos universitários formados.
Estou procurando gente [para as lojas] no Nordeste, tem gente que não quer ser registrada. Perguntamos por que, e dizem: "Ah, porque eu recebo a Bolsa [Família], minha mulher recebe a Bolsa, a filha recebe". E a população cresce nesses lugares do Nordeste. E gente esclarecida que pode ter filhos está tendo cada vez menos.

FOLHA - Qual o cronograma de abertura das novas lojas?
HERZ - Brasília será a primeira, entre abril e maio. Fortaleza está marcado para 19 de maio. E Salvador em julho. Estamos procurando um lugar no Rio, mas está dificílimo. Não acho lugar, não tem um espaço. O Rio tem uma geografia que não nos ajuda. Tenho que chegar lá com a mesma identidade, preciso de pelo menos 1.800 m2, com um pé direito que permita um mezanino. Não acho nem para discutir o valor.

FOLHA - Em relação ao caso do cliente que foi atacado [na cabeça com um taco de beisebol por um homem] dentro de uma loja da Livraria Cultura em dezembro passado, há algo que possa ser feito para evitar que episódios desses se repitam?
HERZ - Tem, com relação à lei. Ele já tinha quebrado os vidros da livraria [um ano antes], e o delegado soltou ele meia hora depois. Para agir contra ele [na época], eu teria de abrir um processo. Só que ele é um doente mental. Então o Estado não cuida do doente mental. A ideia de abolir o manicômio foi para que a família tomasse conta, mas a família percebe que dá muito trabalho e que custa dinheiro, e abandona o cara, que fica solto, até fazer o que ele fez.

FOLHA - Vocês modificaram algo na segurança das lojas?
HERZ - Não há o que mudar. Entre a entrada do cara na livraria e a agressão passaram-se menos de dois minutos.

Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/100495


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