São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Crítica/DVD/"O Espírito da Colmeia"

Clássico espanhol questiona limites entre o real e o imaginário

Filme de 1973 de Victor Erice narra história de menina que vê "Frankenstein"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O que é uma tela de cinema? Eis uma indagação sempre presente em "O Espírito da Colmeia". É um espaço em branco onde surgem imagens filmadas previamente, certo. Ou onde depositamos horror e sonhos, a fantasia e o real, passado e futuro.
Esta última é a resposta que parece nos dar Victor Erice enquanto narra a fabulosa história da menina Ana, que em 1940 assiste a uma projeção de "Frankenstein" e faz a experiência da maravilha e do terror que o desconhecido pode lhe oferecer. Descobrir o desconhecido não implica torná-lo conhecido, porém: é saber que o mistério existe, mas que talvez não seja desvendável. Como uma sombra que corre pela tela: podemos persegui-la sempre, mas alcançá-la, nunca.
No reino do dr. Frankenstein, sabemos, tudo é possível, pois estamos às voltas com o inédito, com a suprema transgressão: a hipótese do próprio homem criar vida e tomar o lugar de Deus. Ora, Ana, com seus poucos anos, está em condições de vivenciar a experiência da tela em toda profundidade, já que para ela real e imaginário não são instâncias distintas.
Ao real e imaginário talvez seja necessário acrescentar a história. Pela data dos acontecimentos (1940), estamos logo após o fim da Guerra Civil na Espanha. Os movimentos da família de Ana dão conta da situação de tristeza absoluta. Ao mesmo tempo, a pintura, a espanhola, claro, parece ressurgir ao menos uma vez por cena, ora trazendo o esplendor de uma corte doentia, como em Velázquez, ora o grito agônico da guerra, como em Goya.
Ana saberá encontrar seu Frankenstein. Aquele que é espírito, algo incorpóreo que se faz corpo pela força do pensamento ou na tela de cinema, onde nada é verdade.
É no limite entre verdade e mentira que existe a ficção, o cinema. Mas para a infância isso não faz sentido: as coisas existem e pronto. E o monstro de Frankenstein existe: sua verdade estava estampada no rosto da menina, como a da colmeia, de funcionamento também misterioso, estava estampada no rosto do pai.
Este filme se deve a Victor Erice: é o primeiro que dirigiu, em 1973. Depois só fez mais outros dois longas. Não é muito para uma carreira de mais de 40 anos. Mas o bastante para que seja reconhecido como o maior diretor de cinema da Espanha até aqui (já que Buñuel não tem carreira espanhola). Hoje Erice apenas troca videocartas com Abbas Kiarostami. Com toda certeza se entendem.


O ESPÍRITO DA COLMEIA

Direção: Victor Erice
Lançamento: Lume (R$ 50, em média)
Classificação: não informada
Avaliação: ótimo




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