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Crítica/DVD/"O Espírito da Colmeia"
Clássico espanhol questiona limites entre o real e o imaginário
Filme de 1973 de Victor Erice narra história de menina que vê "Frankenstein"
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O que é uma tela de cinema? Eis uma indagação sempre presente
em "O Espírito da Colmeia". É
um espaço em branco onde
surgem imagens filmadas previamente, certo. Ou onde depositamos horror e sonhos, a fantasia e o real, passado e futuro.
Esta última é a resposta que
parece nos dar Victor Erice enquanto narra a fabulosa história da menina Ana, que em
1940 assiste a uma projeção de
"Frankenstein" e faz a experiência da maravilha e do terror
que o desconhecido pode lhe
oferecer. Descobrir o desconhecido não implica torná-lo
conhecido, porém: é saber que
o mistério existe, mas que talvez não seja desvendável. Como uma sombra que corre pela
tela: podemos persegui-la sempre, mas alcançá-la, nunca.
No reino do dr. Frankenstein, sabemos, tudo é possível,
pois estamos às voltas com o
inédito, com a suprema transgressão: a hipótese do próprio
homem criar vida e tomar o lugar de Deus. Ora, Ana, com seus
poucos anos, está em condições
de vivenciar a experiência da
tela em toda profundidade, já
que para ela real e imaginário
não são instâncias distintas.
Ao real e imaginário talvez
seja necessário acrescentar a
história. Pela data dos acontecimentos (1940), estamos logo
após o fim da Guerra Civil na
Espanha. Os movimentos da família de Ana dão conta da situação de tristeza absoluta. Ao
mesmo tempo, a pintura, a espanhola, claro, parece ressurgir
ao menos uma vez por cena, ora
trazendo o esplendor de uma
corte doentia, como em Velázquez, ora o grito agônico da
guerra, como em Goya.
Ana saberá encontrar seu
Frankenstein. Aquele que é espírito, algo incorpóreo que se
faz corpo pela força do pensamento ou na tela de cinema,
onde nada é verdade.
É no limite entre verdade e
mentira que existe a ficção, o cinema. Mas para a infância isso
não faz sentido: as coisas existem e pronto. E o monstro de
Frankenstein existe: sua verdade estava estampada no rosto
da menina, como a da colmeia,
de funcionamento também
misterioso, estava estampada
no rosto do pai.
Este filme se deve a Victor
Erice: é o primeiro que dirigiu,
em 1973. Depois só fez mais outros dois longas. Não é muito
para uma carreira de mais de
40 anos. Mas o bastante para
que seja reconhecido como o
maior diretor de cinema da Espanha até aqui (já que Buñuel
não tem carreira espanhola).
Hoje Erice apenas troca videocartas com Abbas Kiarostami.
Com toda certeza se entendem.
O ESPÍRITO DA COLMEIA
Direção: Victor Erice
Lançamento: Lume (R$ 50, em média)
Classificação: não informada
Avaliação: ótimo
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