São Paulo, terça-feira, 21 de março de 2006

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FERNANDO BONASSI

Aquilo que a ética pode ser

Há muitos pensando que ética é um mito caquético, escrito em grego arcaico e cuja obscura imanência nunca se tivesse traduzido em transparência para acabar com a indecência exemplar da permanência milenar de nosso atraso. O caso é que os kantianos encantados podem especular e se enrolar com seus conceitos platônicos e pensamentos românticos, mas ética é coisa em si e por si só deve ser idealizada.
A ética herdada pode ser trágica ou patética, mas não é uma comédia que se encena para arquibancadas. É peripatética, mas não fica divagando em círculos. Ela justamente pede que se dêem as mãos onde a carência de sentido de direção, ou malandragem de ocasião, quer o pulso, o braço e o coração.
Claro que às vezes a ética é ridícula, mais parecendo um negócio de circo, feito entre palhaços sem graça que agem pela desgraça do picadeiro para receberem dinheiro de seguro contra incêndio...
Há uma ética para bandidos, que é tática, e outra para mocinhos, que é estratégica. A ética autoritária de certos oficiais graduados pode ser um péssimo exemplo para os soldados subordinados, derrubando aviões lotados com ilusões de estrelas em céus de brigadeiro.
A ética deveria entender por inteiro as devastadoras conseqüências das ausências dos seus atos, mas o fato é que ética tornou-se hierárquica sem que a mais reles moral o fosse.
Ética não se pendura no pescoço, como uma medalha reluzente. A ética está por dentro e costuma mancar justamente onde é mais chamada a estar presente.
A ética pode ser ideológica, mas a ideologia não é ética necessariamente, o que deixa uns vermelhos descontentes e de sorrisos amarelos com as próprias aventuras nas legislaturas partidárias.
A ética pode ser patriótica, mas há circunstâncias históricas em que a ética se transforma, ou transtorna, em política teórica. Porque na prática a ética é mesmo um fenômeno esquisito, que coexiste nos cidadãos de respeito e entre suspeitos que adquiriram cargos públicos, poderes lúdicos e imunidades únicas para atividades de privada. Assim a ética pode ser falada, fonética ou retórica, emitida apenas da boca para fora e a ética pode ser titica, já que alguns a mantêm naquele lugar...
A ética é uma decisão protocolar. A indefinição elementar da ética pode ser uma dúvida, jamais uma dívida, favor ou conveniência.
A leveza da ética não pesa na consciência.
Aliás, até os assassinos amorais e abutres mais selvagens têm as suas ordens especiais ao se aproximarem das vítimas para explorar suas carniças. Deuses, diabos, duendes e profetas, mesmo coisas que não existem têm lá uma certa ética na sua estética proselitista de desconforto espiritual.
A ética não é uma maquiagem superficial, não é protética nem dietética, ainda que certos comensais engordem demais ao se livrarem dela em seus excessos gastronômicos, econômicos ou puramente megalômanos.
Acontece que os valores estão mais para bolsas de apostas e bolso dos contraventores do que para a previdência dos investidores em carteira...
A ética de um diplomata pode estar guardada na sua mala intocada ou ser regada a uísque barato, comprado com descontos camaradas nas tendas e temporadas de empresários contrabandistas.
A ética profissional deve ser fria e calculista, podendo ser médica ao se tornar crítica a doença da elite cleptomaníaca. É essa moléstia que faz da ética um negócio falido para a prosperidade dos masoquistas de fachada e um negócio fechado para os inquéritos acertados entre advogados criminalistas e juristas arrivistas. Porque embora a ética não se veja, não quer dizer que seja cega e surda como a justiça muda que deixa a gente louca com os direitos que não tem.
Não se iludam leitores desta edição: a ética pode ser um papel passado em cartório ou usado no mictório da redação. É que a ética de um jornal estaria no editorial, mas freqüentemente se confunde mal com a propaganda de anúncios espetaculares.
A ética deve é se sentar nos bancos escolares e não mudar de posição, sejam físicos, materiais ou sexuais os desejos dos alunos e alunas sujeitos à questão. A ética é aritmética, pois onde subtrai da indiferença os vetores da divisão, o resultado é multiplicado pela soma dos fatores de satisfação.
A ética só existe na cabeça das pessoas, mas faz uns estourarem os miolos em desespero e põem outros afobados de sobreaviso, preocupados e tensos com o sigilo malcheiroso dos seus rabos e intestinos presos. A ética pode ser a negação da razão invocada pela violência dos que negaceiam e negociam melhor com a pior situação...
Falta de ética teria a ver com punição, mas são tantos maus juízos e petições pelas instâncias que ninguém conhece a desimportância que merece ou, quando alguém percebe, é tão pouco que se esquece, pois sequer dá pra matar a sede de vingança cuja má memória não é de hoje.
Aliás, o que a maioria recebe é mesmo uma ironia perto do prejuízo tão grande que uma minoria tão pequena causa às causas do desenvolvimento...
Em tempo: ética que precisa de conselho não se dá de graça; é vagabunda.


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