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Livros
Ex-ministro faz relato pessoal de cenas históricas
José Gregori escreve memórias colhidas em postos privilegiados de observação
Em "Sonhos que Alimentam a Vida", o autor, aos 78, lembra momentos pré-ditadura, seu engajamento nas Diretas-Já e participação na gestão FHC
JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quando presidente, Fernando Henrique Cardoso mantinha um "governo oculto", instalado em Brasília no apartamento do sociólogo Vilmar Faria, assessor de sua ilimitada
confiança. A expressão é talvez
um pouco exagerada, mas o fato é que periodicamente ali jantavam Paulo Renato Souza (ministro da Educação), Raul
Jungmann (Reforma Agrária),
o professor Abílio Baeta Neves
e José Gregori, veterano ativista dos direitos humanos e, por
19 meses, ministro da Justiça.
Os convidados, ministros das
áreas social e econômica, sentiam-se livres para desabafos
que Vilmar transmitia a FHC.
Era uma espécie de "câmara de
compensação de angústias", diz
Gregori, em suas memórias,
"Os Sonhos que Alimentam a
Vida" -relato muito pessoal e
bastante saboroso.
Poucas vidas se transformam
em postos privilegiados de observação histórica. Gregori, hoje aos 78, é dono de uma delas.
Ele integrou a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São
Paulo, nos anos 70 importante
referência para familiares de
torturados e presos políticos.
Foi secretário do governo paulista de Franco Montoro e ocupou a chefia de gabinete de quatro ministros pós-redemocratização.
Ativismo
As histórias e impressões que
Gregori transmite têm o lastro
do engajamento. Sobre uma
primeira pele do adolescente
paulistano de classe média, que
gostava de ler e que se formou
aos 24 anos em direito, cresceu
uma outra , com células de alta
sensibilidade política.
É assim que, no Brasil anterior ao golpe de 64, ele se deixa
encantar pelo deputado Francisco Julião, o homem das Ligas Camponesas. Mas seu verdadeiro aprendizado deu-se
com San Tiago Dantas (1911-1964), de quem foi secretário
particular. Ministro das Relações Exteriores de João Goulart e a seguir ministro da Fazenda, San Tiago, relata Gregori, foi lúcida testemunha do
confronto entre "esquerda positiva" e "esquerda negativa"
que, por suas radicalizações,
forneceu combustível ao golpe.
Há nas memórias o testemunho de cenas que marcaram a
história do país. Por exemplo, o
livro narra a noite de 31 de março de 1964, quando, já virtualmente deposto, Jango, desfeito
numa poltrona, é informado no
palácio das Laranjeiras, no Rio,
de que não funcionara o esquema de resistência montado nas
Forças Armadas pelo general
Assis Brasil.
O memorialista também teve
estreito contato com d. Paulo
Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo. Nos anos 70,
ele "foi a figura pública mais
importante no Brasil", diz José
Gregori, que integra o primeiro
núcleo da Comissão Justiça e
Paz. A missão dela foi de início
dissuasiva: evitar a tortura ou a
morte de pessoas que a comissão informava à polícia saber
terem sido presas.
O papel de d. Paulo, mesmo
que "ecumênico" entre as correntes políticas, é de um ativismo constante. Partiu dele, por
exemplo, o veto para que Dalmo Dallari ou Hélio Bicudo
concorressem em 1978 ao Senado numa sublegenda do
MDB, oposição tolerada pela
ditadura. Em lugar dos dois,
quem se candidatou foi FHC.
A candidatura foi apoiada
por Lula, então dirigente sindical, com quem FHC teria nos
anos seguintes bem mais afinidades que desencontros. Sobre
Lula, Gregori escreve: "Não era
um líder influenciável. Aceitava os apoios, que chegavam aos
borbotões, mas aparentava ouvi-los sem escutá-los".
Nos anos seguintes, com o
avanço da redemocratização,
Gregori se elege deputado estadual, faz parte do governo
Montoro e se integra à campanha das Diretas-Já. O Brasil está mudando. No governo Sarney, é chefe de gabinete de
Marcos Freire (ministro da Reforma Agrária) e de Renato Archer (Previdência Social).
O memorialista revela que o
computador central da Previdência, no Rio, construído num
prédio supostamente à prova
de uma bomba atômica, era refrigerado por um ventilador de
confeitaria, equilibrado em
parcos fios de arame. Não adere
ao núcleo inicial do PSDB. Permanece no PMDB e participa,
em 1989, da candidatura presidencial de Ulysses Guimarães.
Gregori foi responsável pela
criação da Secretaria Nacional
de Direitos Humanos, o que crê
ter sido um de seus grandes
trunfos. O fato de ter terminado os anos FHC como embaixador em Lisboa é, de certo modo,
uma cereja que decora sua biografia.
OS SONHOS QUE ALIMENTAM A VIDA
Autor: José Gregori
Editora: Jaboticaba
Quanto: R$ 49 (432 págs.)
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