São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

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Decifra-me ou te devoro

Sob ameaça de perder audiência e com o avanço da web, TVs apostam em conteúdo multiplataforma

ANDRÉA MICHAEL
COLUNISTA DA FOLHA

De olho no telespectador que nunca se sentou no sofá -e atrás daquele que de lá fugiu-, as emissoras de TV abrem caminho no terreno sem lei da internet, usam a rede como vitrine para a programação e despertam para novos concorrentes -companhias de telefonia e sites como Google e Facebook.
"Haverá uma demanda cada vez mais baixa pela TV aberta nas novas gerações. Emissoras tradicionais, como a Globo, precisarão mudar suas práticas. O mais significativo em termos de mercado é que novas empresas, como as de telefonia, o Google e o Facebook, terão uma importância que nunca tiveram," diz Charo Chalezquer, professora da Universidade de Navarra (Espanha).
Coordenadora do Fórum Gerações Interativas, ela pesquisa tendências de comportamento e consumo de mídia entre jovens ibero-americanos.
Não há, no Brasil, estudos que identifiquem eventual correlação entre os fenômenos simultâneos da queda de audiência de canais abertos em horário nobre e aumento do público da internet na última década.
Entre 2001 e 2009, as cinco maiores emissoras perderam, juntas, 4,3 pontos de audiência, o que significa, para a Grande SP, perder um público de cerca de 258 mil domicílios.
Por outro lado, conforme dados do Ibope NetRatings, saltou de 4,9 milhões para 28,5 milhões a quantidade de internautas no Brasil nos últimos nove anos -que passaram a dedicar, em vez de sete, 29 horas do mês à web.
Os reflexos de tais mudanças nas perspectivas de investimento em mídia fazem da internet ponto fora da curva. Dados da PricewaterhouseCoopers LLP e da Wilkofsky Gruen Associates sobre o comportamento do mercado publicitário na América Latina entre 2009 e 2013 indicam aumento de 1,9% no bolo publicitário. Mas, se a análise se detiver à rede, o acréscimo será de 17,4% -contra 1,4% do que vai para a TV.
Para a Globo, que tem metade da audiência da TV aberta, é fundamental atrair os jovens.
Sem conquistar tal segmento, a chamada geração digital, os índices de público da TV aberta serão proporcionalmente piores no futuro. Diante do enigma a decifrar, a emissora foi buscar essa turma na rede.
"Antes, havia horas diferentes para jornal, TV, rádio. Agora, é tudo ao mesmo tempo. A Globo se firmou nessa mudança ao colocar a TV dentro da rede e a rede na TV. Grande exemplo é o "Big Brother Brasil'", diz Max Primo, professor da Universidade Federal do RS.
No programa, a votação dos internautas é decisiva para eliminar os "brothers". No Twitter, o público troca ideias com o diretor Boninho e sugere trilhas para as festas do reality.
Mas a regra são exemplos capengas. No SBT, o Twitter aparece na tela no "Esquadrão da Moda", mas não oferece ao telespectador oportunidade para interagir de fato.
O mesmo vale para o blog www.sonhosdeluciana.com. br, no qual Luciana (Alinne Moraes), de "Viver a Vida", "recebe" e "responde" mensagens como se a trama fosse real.
A Globo concebeu a ideia como uma extensão da história, um espaço para aumentar o envolvimento dos telespectadores. Faz sucesso, mas não é integrativo.
Segundo Joe Michaels, vice-presidente sênior do MSN, essa vitrine pode até servir como um começo, mas passará a ser problema para a televisão caso a internet seja usada só como chamariz para a programação.
"O público hoje é capaz de concentrar a atenção, ao mesmo tempo, em diversas mídias. Nosso desafio está em entregar nossos produtos às gerações interativas no maior número de plataformas possíveis, como já fazemos -sempre respeitando a origem do nosso negócio, que é a TV aberta", afirma Willy Haas, diretor-geral de comercialização da Globo.
Nesse turbilhão, o valor dos anúncios será rediscutido. Como diz o professor Marcelo Coutinho, da Fundação Getúlio Vargas, "está superada a fórmula do custo [da propaganda] por mil [telespectadores]".
Quanto mais concentrada for a audiência, mais poder de cobrar tem a emissora. Por outro lado, o preço do anúncio é proporcionalmente menor em mercados fragmentados.
O resultado é que, em 2009, segundo a Folha apurou, a Globo, dona da metade da audiência, ficou com 73% da verba publicitária de R$ 13 bilhões destinada às TV abertas.


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