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ARTIGO
O Pelado e o Vestido
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
Pode ser que antes de 1500 Portugal estivesse mentalmente de
posse do sentido do Atlântico,
que foi o último mar conhecido
da Europa.
Assim o Brasil nasce, intencional em cada plano, como em roteiro planejado de filme.
É incontestável a intencionalidade do Descobrimento, os dados
estão aí documentados em muitas pesquisas idôneas dos historiadores daqui quanto do exterior.
A intenção da descoberta não
exclui a surpresa, poetou em São
Paulo Oswald de Andrade no roteiro modernista sobre as caravelas, admirado diante de 13 naus e
1.200 marujos entregues ao comando único do almirante Pedro
Álvares Cabral.
O inexcedível compositor Lamartine Babo tratou "o seu Cabral" com carinho, como se fosse
o verdadeiro padrinho do Rio de
Janeiro.
O Carnaval, acontecimento da
raça, quer dizer que a festa é o resultado do encontro de gente despida com os supervestidos colonizadores do século 16.
Às seis horas da tarde daquele
abril de 1500 em Porto Seguro é o
cenário dos pintores brasileiros
de vanguarda, tão diferente do
que medra com o vídeo pornô
psicochique que sacaneia a nudez
da indiada.
Esse bad movie metido a fino
pega o nascimento do Brasil pelo
ângulo do ressentimento psicológico: o desejo que o macho fosse
pirata inglês ou holandês.
A colonização era inevitável,
houvesse imprevisto ou improviso; todavia, além do ser pelado,
não há nada.
Por isso, a antropologia "Tristes
Tropiques", de Lévi-Strauss, peca
por cegueira diante da natureza,
conforme protestou o desbundado donatário Darcy Ribeiro, que
foi até hoje o melhor antropólogo
das gentes iletradas.
Referido-se aos argonautas lusos de 1500, Gilberto Freyre fala
em cristãos orais na acepção da
pré-Bíblia.
Quem o leu sabe que o xará de
"Casa-Grande & Senzala" achava
ecológico o mundo que o português criou aqui: colonização ecológica.
O cientista social Luís da Câmara Cascudo defenderá a tese irrefutável de que foi feliz a descoberta de 1500, o Brasil amanhecendo
na história como consequência de
um encontro amoroso.
Em termos de teoria do colonialismo, é perfeitamente válido afirmar em relação a Portugal que os
juros já venceram.
Analisando do presente para o
passado, a comemoração do Descobrimento deveria ser entoada
com um réquiem ao perdido trabalho nacional acumulado pelos
mortos e vivos desde 1500.
Mas, felizmente, existe o lenitivo de que não é preciso entender
o Brasil para continuar sendo brasileiro.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo), entre
outros
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