São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Diretor do filme "O Pagador de Promessas", premiado em Cannes, completa 80 anos hoje
Absolutamente Anselmo

Daniel Guimarães/Folha Imagem
O cineasta Anselmo Duarte, que completa 80 anos hoje, em seu apartamento na cidade de Salto, interior de São Paulo


ALEXANDRE MARON
enviado especial a Salto (SP)

Hoje, o diretor, ator e roteirista Anselmo Duarte promete fugir dos amigos, bolos e cantorias. É porque ele completa 80 anos e confessa que odeia festas.
Duarte é o diretor de alguns dos clássicos da cinematografia nacional, entre eles o único filme brasileiro ganhador da Palma de Ouro em Cannes, "O Pagador de Promessas", em 1962, que concorreu ao Oscar e foi o mais premiado no mundo naquele ano.
O trabalho como ator o transformou no maior galã de seu tempo, com dramas, musicais e comédias românticas que marcaram as décadas de 40, 50 e 60.
No total, Duarte dirigiu 12 filmes, atuou em 31, escreveu 9 roteiros originais e 8 adaptados.
Alguns desses filmes serão exibidos todas as quintas, às 23h, no Canal Brasil (Net/Sky). Na próxima semana, será apresentado "Sinhá Moça", de 1953.
Sua trajetória começou aos 8 anos, em 1928, em Salto (SP), onde nasceu. Ele não tinha dinheiro para frequentar o único cinema da cidade, o Cine Pavilhão, e trabalhava como molhador de tela. Naquele tempo, os projetores ficavam atrás das telas, que precisavam ser molhadas para suportarem o calor, como conta em seu livro, "Adeus Cinema", de 1993.
Veio para São Paulo com 14 anos e fez um curso de economia que lhe rendeu um emprego fixo. Seu encontro com o cinema só aconteceria em 1941, quando viajou para o Rio planejando trabalhar como figurante no documentário "It's All True", que Orson Welles filmava no Brasil.
Duarte seguiu trabalhando como repórter econômico para a revista "Observador Econômico Financeiro" até 1946, quando o diretor italiano Pier Alberto Pieralisi o convidou para um teste.
Ali nasceu a oportunidade de atuar em seu primeiro filme, "Querida Suzana". Diz que só topou ser ator para aprender as técnicas que o capacitariam como diretor. "Nas filmagens, eu acompanhava Pieralisi na moviola, observava como ele escolhia as lentes. Aprendi cinema na prática."
Exigente, o galã não aceitava participar de um musical convencional e se aventurou na tarefa de escrever seu primeiro roteiro. O resultado foi o clássico "Carnaval de Fogo", de 1948. "Sempre me empenhei em trabalhar em filmes de qualidade. Não fiz só chanchadas. Atuei em dramas psicológicos e comédias finas", afirma.
Sua estréia como diretor aconteceu em 1958, com "Absolutamente Certo", uma comédia musical que surpreendeu a crítica e agradou ao público.
Seu passo seguinte foi morar na Europa em busca de reciclagem. Trabalhou como ator na Espanha e em Portugal e voltou ao Brasil, em 1961, decidido a dirigir um filme para ganhar a Palma de Ouro.
É aí que nasce "O Pagador de Promessas", baseado na peça de Dias Gomes. Os diversos prêmios que o filme recebeu despertaram uma reação negativa da crítica brasileira, que passou a questionar o valor da obra. Duarte mergulhou em um inferno pessoal.
Seu filme seguinte, "Vereda da Salvação", teve sua exportação vetada pelo regime militar. Os confrontos com os integrantes do cinema novo foram se tornando constantes e se refletiram em uma produção que passou a ter uma qualidade artística irregular.
"Me cansei do cinema. Das lutas, de trabalhar duro e de ser esculhambado por críticos. Meu último filme foi "Brasa Adormecida", de 1985. E nesse só atuei por insistência da Ilka Soares e para contracenar com a Maitê Proença, que é linda."
Com o passar das décadas, mesmo seus desafetos lhe prestam homenagens. O diretor Cacá Diegues, por exemplo, diz que não entende porque um vencedor como Duarte guarda tantas mágoas.
"Ele é uma figura histórica do cinema brasileiro, com uma trajetória muito pessoal. Acho que ele atribui ao cinema novo uma certa falta de atenção ao cinema dele, mas nenhum movimento tem poder para destruir a obra de alguém, principalmente a dele."
"Hoje, penso que é possível ver além do confronto entre Anselmo e os cinemanovistas. Visto com recuo, "O Pagador de Promessas" foi uma adaptação clássica, mas vigorosa da peça de Dias Gomes. Anselmo Duarte teve um papel importante na história do cinema brasileiro", afirma Walter Salles, que dirigiu "Central do Brasil".
Silvio Back é outro diretor que admira Anselmo Duarte. Para ele, Duarte foi "crucificado pela soberba da geração do cinema novo". "Ele é um arquivo vivo do nosso cinema, o outro lado da história oficial do cinema brasileiro."
Back pretende filmar o documentário "O Exílio do Cineasta", que contaria a história de Anselmo Duarte. "Nesse filme, quero mostrar cenas de seu primeiro curta, "Fazendo Cinema", de seu filme "O Rapto", rodado em Paris e nunca concluído, e de "Um Homem Só", também inédito."


Texto Anterior: Rádio: Igreja evangélica cria rede de FMs piratas
Próximo Texto: "O pessoal do cinema novo passava por mim e virava a cara"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.