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"O pessoal do cinema novo passava por mim e virava a cara"
do enviado a Salto
Anselmo Duarte diz que perdeu
a vontade de filmar porque seus
filmes foram "muito esculhambados" no Brasil. Leia a seguir trechos de entrevista que ele concedeu à Folha, em seu apartamento
de cobertura na cidade de Salto.
Folha - Depois de ter dirigido
filmes importantes como "O Pagador de Promessas", o sr. pretende voltar a filmar?
Anselmo Duarte - Tenho vontade de voltar, mas somente na
Europa. Os alunos de comunicação estão saindo das escolas de cabeça feita, só falam de Glauber,
Leon Hirszman e Cacá Diegues.
Só falam em cinema novo.
Eles não sabem quem foram os
grandes diretores do cinema brasileiro. Venho perdendo o entusiasmo há muitos anos. Você faz
filmes, uma meia dúzia fala que
você é ruim e, quando sai do país,
as pessoas dizem o contrário.
Folha - Seus maiores desafetos
são os críticos e os integrantes
do cinema novo. Por que?
Duarte - Porque todos os filmes
que eu fiz depois do "Pagador" foram esculhambados. Como "Vereda", que não mandaram para
Cannes. Ganhei o prêmio de crítica em Berlim, empatei em primeiro lugar com "Alphaville", do Godard. Tive que mandá-lo clandestinamente para fora do país. Cheguei a Berlim e encontrei o pessoal do cinema novo. Eles passavam por mim e viravam a cara.
Folha - Mas por que o sr. acha
que seus feitos não foram reconhecidos?
Duarte - O mal do Brasil é a falta
de auto-estima cultural. Somos
um país pessimista e não enaltecemos nossos próprios artistas.
Os meninos do cinema novo diziam que prêmio não vale nada.
Não vale nada para quem não ganha. Na história de Cannes, eles
tentaram mais de 20 vezes. Só o
Glauber foi lá umas quatro vezes,
o Cacá Diegues, umas cinco.
Folha - Qual foi o seu principal
objetivo durante sua carreira?
Duarte - Tudo o que eu sabia
desde menino é que não queria
ser operário, como minhas irmãs.
Queria fazer cinema. Quando
criança, construí um projetor de
slides com uma lata e uma lente.
Eu mexia com cinema como
hobby e nunca pretendi ser ator,
porque era tímido. O que eu sempre quis foi fazer filme, ser diretor.
Só me tornei ator porque achei
que seria a porta de entrada.
Folha - Fazer 80 anos tem algum significado para o sr.?
Duarte - A data do aniversário
em si é uma chatice, é o momento
no qual você recebe a maior
quantidade de manifestações falsas de amizade. Eu não gosto de
aniversários, daquela coisa de bolo, vela e cantoria. Mas não é porque eu tenha problemas com a
idéia de ficar velho. A gente vai
encontrando novos encantos na
vida, valoriza aspectos a que não
dava tanto valor. Passei a ler mais
e a ouvir mais música. Estou lendo "Eu, Fellini".
Folha - O senhor tem um projeto guardado?
Duarte - Tenho dois sonhos.
Um deles seria fazer "Messias, o
Mensageiro", que contaria a história de um homem com as características de Jesus. É o filme que eu
ia fazer quando descobri "O Pagador de Promessas". O outro seria
um musical com muito ritmo,
sem ser chanchada. Com aquelas
bailarinas e uma orquestra. Seria
um filme no qual a montagem
acompanharia o ritmo da música.
Folha - O senhor está afastado
do cinema desde 1985. Como
esse exílio voluntário refletiu
em sua vida?
Duarte - Quando fui, em 1997,
ao 50º Festival de Cannes, no qual
foram convidados os diretores
premiados vivos, eu não reconheci a moça que posou ao meu lado.
Ela me apertava e abraçava o
Francis Ford Coppola para a foto
comemorativa. Eu ficava perguntando: "Quem é essa piranha que
quer tirar foto com diretor laureado?" Era a Mira Sorvino. No Brasil, uma semana depois, fui ao cinema e estava passando um filme
com ela. Eu disse: "É a piranha!".
Se eu soubesse... Ela é linda.
Folha - Qual é a sua relação
com o cinema hoje?
Duarte - Quase nunca vou ao cinema. Vejo uma coisa ou outra no
videocassete. O último filme brasileiro que eu vi foi "Central do
Brasil". Acho o Walter Salles o
melhor diretor de sua geração.
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