São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


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"O pessoal do cinema novo passava por mim e virava a cara"

do enviado a Salto

Anselmo Duarte diz que perdeu a vontade de filmar porque seus filmes foram "muito esculhambados" no Brasil. Leia a seguir trechos de entrevista que ele concedeu à Folha, em seu apartamento de cobertura na cidade de Salto.

Folha - Depois de ter dirigido filmes importantes como "O Pagador de Promessas", o sr. pretende voltar a filmar?
Anselmo Duarte -
Tenho vontade de voltar, mas somente na Europa. Os alunos de comunicação estão saindo das escolas de cabeça feita, só falam de Glauber, Leon Hirszman e Cacá Diegues. Só falam em cinema novo.
Eles não sabem quem foram os grandes diretores do cinema brasileiro. Venho perdendo o entusiasmo há muitos anos. Você faz filmes, uma meia dúzia fala que você é ruim e, quando sai do país, as pessoas dizem o contrário.

Folha - Seus maiores desafetos são os críticos e os integrantes do cinema novo. Por que?
Duarte -
Porque todos os filmes que eu fiz depois do "Pagador" foram esculhambados. Como "Vereda", que não mandaram para Cannes. Ganhei o prêmio de crítica em Berlim, empatei em primeiro lugar com "Alphaville", do Godard. Tive que mandá-lo clandestinamente para fora do país. Cheguei a Berlim e encontrei o pessoal do cinema novo. Eles passavam por mim e viravam a cara.

Folha - Mas por que o sr. acha que seus feitos não foram reconhecidos?
Duarte -
O mal do Brasil é a falta de auto-estima cultural. Somos um país pessimista e não enaltecemos nossos próprios artistas. Os meninos do cinema novo diziam que prêmio não vale nada. Não vale nada para quem não ganha. Na história de Cannes, eles tentaram mais de 20 vezes. Só o Glauber foi lá umas quatro vezes, o Cacá Diegues, umas cinco.

Folha - Qual foi o seu principal objetivo durante sua carreira?
Duarte -
Tudo o que eu sabia desde menino é que não queria ser operário, como minhas irmãs. Queria fazer cinema. Quando criança, construí um projetor de slides com uma lata e uma lente.
Eu mexia com cinema como hobby e nunca pretendi ser ator, porque era tímido. O que eu sempre quis foi fazer filme, ser diretor. Só me tornei ator porque achei que seria a porta de entrada.

Folha - Fazer 80 anos tem algum significado para o sr.?
Duarte -
A data do aniversário em si é uma chatice, é o momento no qual você recebe a maior quantidade de manifestações falsas de amizade. Eu não gosto de aniversários, daquela coisa de bolo, vela e cantoria. Mas não é porque eu tenha problemas com a idéia de ficar velho. A gente vai encontrando novos encantos na vida, valoriza aspectos a que não dava tanto valor. Passei a ler mais e a ouvir mais música. Estou lendo "Eu, Fellini".

Folha - O senhor tem um projeto guardado?
Duarte -
Tenho dois sonhos. Um deles seria fazer "Messias, o Mensageiro", que contaria a história de um homem com as características de Jesus. É o filme que eu ia fazer quando descobri "O Pagador de Promessas". O outro seria um musical com muito ritmo, sem ser chanchada. Com aquelas bailarinas e uma orquestra. Seria um filme no qual a montagem acompanharia o ritmo da música.

Folha - O senhor está afastado do cinema desde 1985. Como esse exílio voluntário refletiu em sua vida?
Duarte -
Quando fui, em 1997, ao 50º Festival de Cannes, no qual foram convidados os diretores premiados vivos, eu não reconheci a moça que posou ao meu lado. Ela me apertava e abraçava o Francis Ford Coppola para a foto comemorativa. Eu ficava perguntando: "Quem é essa piranha que quer tirar foto com diretor laureado?" Era a Mira Sorvino. No Brasil, uma semana depois, fui ao cinema e estava passando um filme com ela. Eu disse: "É a piranha!". Se eu soubesse... Ela é linda.

Folha - Qual é a sua relação com o cinema hoje?
Duarte -
Quase nunca vou ao cinema. Vejo uma coisa ou outra no videocassete. O último filme brasileiro que eu vi foi "Central do Brasil". Acho o Walter Salles o melhor diretor de sua geração.


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