São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


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CINEMA "GOYA"

Saura pinta Goya reminiscente

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Goya, além de ser o nome do talvez maior pintor espanhol -está mal o país que teve Velázquez, Picasso?-, é também o nome do principal prêmio cinematográfico da Espanha. A aproximação do cinema com o pintor, já realizada uma boa dúzia de vezes, agora ganha a mão de Carlos Saura ("Tango", "Cria Cuervos").
Seria estupidez tentar superar o cinebiografado, e Saura não tem tal pretensão. Mas estar à sua altura já é difícil o suficiente, e o cineasta, que não tem primado ultimamente pela qualidade dos seus roteiros (ver "Tango"), teve o bom senso de manter a parceria com Vittorio Storaro, o fotógrafo de Bertolucci e do supracitado "Tango".
Fica enfatizada, assim, uma preocupação com a cor, definitivamente pertinente para um filme com tal protagonista. Com o uso de transparências, velas e gelatinas, procurou-se dar relevo às cores quentes dos quadros de Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828), cores necessárias, de eleição, sem as quais a pintura de um sujeito atormentado, dividido entre uma vida de benesses na Corte -era seu retratista oficial- e a indignação diante da corrupção humana, não ganharia a posteridade.
Storaro fez bem seu serviço.
Já Saura, este fixou seu Goya em seus últimos anos, já octogenário, no exílio em Bordeaux, dado a alucinações e "flashbacks". Quis enfatizar um lado mais expressionista, por assim dizer, do pintor. Assim, Goya já surge em cena em meio a um surto psicótico e passa o filme a lastimar sua surdez.
É de se imaginar que a estratégia ensejará reconstituições dos famosos quadros dos horrores de guerra e da fase negra, a temática hardcore com que Goya, nas palavras de Malraux, antecipa a modernidade. Enseja, de fato, mas não orienta o filme.
Optando por um Goya reminiscente, Saura ficou à vontade para fazer um inventário de "fim de viagem" do homem. O recurso, óbvio, facilita a narrativa, mas beira a cronologia.
Resta um pintor que volta e meia se amargura por servir a Corte que assumidamente bajula. Excita-o muito, contudo, a vida cortesã: só assim se tornará um pintor de renome, só lá poderá cortejar a duquesa que posa para sua "Maja Desnuda".
Não há dúvida que o pintor, vaidoso e autocentrado, tem essas facetas preservadas por Saura. Mas, com isso, os coadjuvantes quase mal chegam a ser dignos do qualificativo. Como uma reconstituição histórica, "Goya" é nulo. Como homenagem sincera, polegares ao alto.
De Aragão, qual Goya, Saura parece ter gostado do gênero que ora abraça -cinebiografias de aragoneses famosos. O próximo, já em fase de filmagem, é Buñuel. Um Saura surrealista? Ops, essa acho que eu não vou pagar para ver.


Avaliação:   


Filme: Goya (Goya en Burdeos)
Direção: Carlos Saura
Produção: Espanha/Itália, 1999
Com: Francisco Rabal, Jose Coronado, Maribel Verdu
Quando: a partir de hoje, no Top Cine 2


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