São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


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CINEMA
Estréia hoje, com Johnny Depp, "O Último Portal", filme do mesmo diretor de "A Morte e a Donzela"
"O inferno são os outros", diz Polanski

JAVIER RIOYO
do "El País"

Ele é genioso e apaixonado. Nervoso, volúvel, simpático ou irritável em questão de segundos. Vive feliz em seu retiro em Ibiza, uma casa projetada pelo arquiteto catalão Paco de la Guardia de acordo com os desejos do controvertido diretor. Em uma região tranquila e luxuosa, no alto de uma colina, com vista inesquecível para o Mediterrâneo, Roman Polanski tem seu refúgio de verão, seu paraíso particular, desde o começo dos anos 80.
Uma residência que mistura o estilo de Ibiza com reminiscências japonesas ou mexicanas. A entrevista acontece à beira da piscina, enquanto tomamos chá gelado e comemos torta de maçã, e sua filha de seis anos solicita a atenção do pai, e a atriz Emmanuelle Seigner, mulher do diretor, passa por perto, sem que possamos evitar olhar para a linda francesa. Para ela, somos invisíveis.

Pergunta - Como o senhor descobriu o livro "El Club Dumas", de Arturo Pérez Reverte, em que baseia seu novo filme, "O Último Portal"?
Roman Polanski -
Primeiro recebi o roteiro de Enrique Urbizu, que me pareceu muito interessante. Mais tarde li, em francês, o livro de Pérez Reverte. Gostei muito do texto, me pareceu uma viagem apaixonante, e convidei um roteirista com quem costumo trabalhar, John Brownjohn. Agora, o filme está pronto para estrear.

Pergunta - O senhor conhecia bem a história da Inquisição, o famoso Santo Ofício, a lenda negra da Espanha?
Polanski -
Se conheço? Sabe, sou diretor de cinema. Acredito que todo mundo conheça as histórias sinistras da Inquisição. Na verdade, ela era bastante internacional, também sofremos sua presença na Polônia. Sei que ela começou na Espanha, mas se difundiu bastante, deu-se a conhecer rapidamente, e muita gente teve de fugir dela, especialmente os judeus. Ah, e não se esqueça de que o primeiro grande inquisidor, Torquemada, era judeu.

Pergunta - Você filmou outra vez uma história diabólica?
Polanski -
Entendo, vejo que quer me colocar, como todos os outros, uma vez mais do lado do diabo. Olha o Polanski lá, com seus infernos e demônios. Por que usar a expressão "outra vez"? Isso é o que dizem de mim na França. Mas quantos filmes diabólicos dirigi? Não havia diabo em "A Morte e a Donzela" ou em "Tess" ou em "A Faca na Água".

Pergunta - Eu queria falar do mal, do metafórico, de homens enfrentando forças extremas.
Polanski -
Por certo, a metáfora do mal me interessa. É verdade também que, em "O Último Portal", a presença do diabo é uma realidade mais precisa. Trata-se de um livro com o qual se pode invocar o demônio, e ele é o tema central do filme. É possível que eu prefira esses temas. De qualquer forma, me divertem. Mas não sou religioso, não sou supersticioso. Não tenho interesse em metafísica, em esoterismo, mas talvez possa dizer que são temas que me divertem de alguma maneira. É possível que eu tenha de consultar um psicanalista para saber porque faço filmes desse estilo.

Pergunta - O senhor é racionalista, não acredita no diabo nem no inferno. Crê que o inferno são os outros?
Polanski -
Sim, sempre gostei dessa frase, o inferno são os outros. É fato, o inferno nem sempre parece algo metafórico. Eu não conheço o inferno verdadeiro.

Pergunta - Qual foi o motivo para que o senhor quisesse adaptar o texto para o cinema?
Polanski -
O que me fascinou foi a trama do livro, a viagem, a busca. Em "El Club Dumas", há diversas intrigas, mas nós elegemos a principal, a história do corso e do livro dos nove portais para o reino das sombras. Daí vem o título do filme, "O Último Portal", em lugar de "El Club Dumas", porque escolhemos só uma das intrigas para o filme. Preferi me concentrar na história de um objeto que venero, o livro. É também um filme de suspense. Há uma história de investigação, uma trama de filme noir como em "Chinatown". Naquele filme não havia elementos sobrenaturais, mas tínhamos um detetive particular. Nesse o temos, igualmente, mas especializado em investigar livros, um detetive particular especializado em livros antigos.

Pergunta - Você ficou cinco anos sem filmar. Por que tanto tempo entre um filme e outro?
Polanski -
Quando comecei minha carreira, tudo era mais fácil no cinema. Agora um projeto pode demorar três ou quatro anos. O cinema ficou mais caro, os riscos são maiores e é mais difícil montar um projeto. A tecnologia mudou muita coisa no cinema.


Tradução Paulo Migliacci


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