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CRÍTICA/LITERATURA
"Socráticas" de Paes traz altos e baixos do autor
NELSON ASCHER
ARTICULISTA DA FOLHA
O conjunto de poemas reunidos no volume póstumo
"Socráticas" de José Paulo Paes é
tão representativo quanto possível da obra inteira do poeta. Tal
representatividade diz respeito
não apenas à variedade de formas
e abordagens de que ele sempre
lançou mão, como também a seus
altos e baixos qualitativos.
O livro reúne poemas brevíssimos e composições um pouco
maiores, algumas ocupando duas
páginas; alguns textos são mais,
por assim dizer, "poéticos", exibindo metro e até mesmo rima;
outros pendem para o coloquial; e
não faltam aqueles totalmente
prosaicos. O leque de temas é amplo e vai da natureza da poesia a
questões da vida literária, da homenagem a amigos a meditações
sobre a mortalidade do próprio
poeta. Embora alguns poemas estejam entre os melhores do autor,
o livro contém outros cuja inexistência é que teria sido mais propícia à fama de Paes.
José Paulo Paes começou a publicar numa época em que a hegemonia pertencia a assim chamada
Geração de 45, e, naqueles dias,
cultural e poeticamente empertigados, foi seu o inquestionável
mérito de estar entre os primeiros
a revalorizarem não só as lições
do então negado e combatido
modernismo, como também seus
aspectos menos formais e mais
divertidos.
Desde o princípio a obra do
poeta pautou-se pelo amor à brevidade e à concisão e pela consciência de que não há correspondência automática entre seriedade, ou melhor, sisudez e qualidade estética. A forma antiga, mas
sempre renovável do epigrama e
uma invenção modernista, o poema-piada, tornaram-se sua marca
registrada, embora não única,
uma vez que pequenas baladas e
mesmo poemas em prosa surgiam de quando em quando.
Se um texto de certo tamanho
dá ao autor algum espaço de manobra, os curtíssimos raramente
podem ser "razoáveis" ou "não de
todo maus": são bons ou são
ruins. Quando um texto curto
pretende ser cômico, a situação se
agrava, pois não existem piadas
mais ou menos engraçadas: quando não fazem rir, elas e quem as
conta tornam-se melancólicos. E,
infelizmente, é isso que sucede
com quase todos os poemas-piadas e epigramas de "Socráticas".
Um poema intitulado "O Piolho, de Aristóteles a Freud" e que
consiste na justaposição de "catarse" e "catar-se" não merece sequer ser qualificado de trocadilho
infame. Um outro, "Os Filhos de
Nietzsche" ("- Deus está morto,
tudo é permitido!/ - Mas que chatice!"), é algo sem graça que empalidece se comparado a piadas
famosas (""Deus está morto", assinado: Nietzsche; "Nietzsche está
morto", assinado: Deus") que a
ninguém ocorreria chamar pretensiosamente de poesia.
Mas o que há de pior no livro
são algumas observações que, como "Estratégia" ("Fica na minha
sombra/ não te salientes/ que
quando eu ganhar o prêmio Nobel/ te dou um pedaço"), querem-se satíricas mas são apenas patéticas e, por subentender o alvo sem
nomeá-lo, traem um ressentimento pessoal ou profissional
que, no caso de um escritor renomado como José Paulo, era obviamente supérfluo e equivocado.
Ainda assim, malgrado o insucesso nessa coletânea daquilo que
o poeta sabia fazer melhor, poemas de natureza diversa conseguem redimir o conjunto. É, sem
dúvida, melhor deixarmos sem
comentário aqueles, também
mal-sucedidos, que de alguma
maneira brincam com a religião,
pois o autor não parecia estar
nem perto o bastante, nem suficientemente longe dela para poder tratá-la de modo interessante.
Quanto às paródias de fábulas
que ele chama de "Refábulas", pode-se dizer o mesmo que se disse
acerca dos epigramas, reprovando-lhes além disso o tamanho. O
que, afinal, há de melhor em "Socráticas" são certas homenagens,
algumas póstumas, a amigos e
outras pessoas ligadas às artes. É
em poemas como "Gobelin", a
respeito da flautista Laura Rónai,
ou "Sobre uma Foto de José Botelho" que transparecem tanto a serenidade e a generosidade do poeta, quanto sua perícia técnica,
uma perícia que, no caso de textos
menos prosaicos e mais assumidamente poéticos como estes, patenteia uma vez mais que, até o
fim da vida, José Paulo manteve-se fiel ao modernismo cujo partido havia tomado já na juventude.
Socráticas
Autor: José Paulo Paes
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 17 (96 págs)
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