São Paulo, sábado, 21 de abril de 2001

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CRÍTICA/LITERATURA

"Socráticas" de Paes traz altos e baixos do autor

NELSON ASCHER
ARTICULISTA DA FOLHA

O conjunto de poemas reunidos no volume póstumo "Socráticas" de José Paulo Paes é tão representativo quanto possível da obra inteira do poeta. Tal representatividade diz respeito não apenas à variedade de formas e abordagens de que ele sempre lançou mão, como também a seus altos e baixos qualitativos.
O livro reúne poemas brevíssimos e composições um pouco maiores, algumas ocupando duas páginas; alguns textos são mais, por assim dizer, "poéticos", exibindo metro e até mesmo rima; outros pendem para o coloquial; e não faltam aqueles totalmente prosaicos. O leque de temas é amplo e vai da natureza da poesia a questões da vida literária, da homenagem a amigos a meditações sobre a mortalidade do próprio poeta. Embora alguns poemas estejam entre os melhores do autor, o livro contém outros cuja inexistência é que teria sido mais propícia à fama de Paes.
José Paulo Paes começou a publicar numa época em que a hegemonia pertencia a assim chamada Geração de 45, e, naqueles dias, cultural e poeticamente empertigados, foi seu o inquestionável mérito de estar entre os primeiros a revalorizarem não só as lições do então negado e combatido modernismo, como também seus aspectos menos formais e mais divertidos.
Desde o princípio a obra do poeta pautou-se pelo amor à brevidade e à concisão e pela consciência de que não há correspondência automática entre seriedade, ou melhor, sisudez e qualidade estética. A forma antiga, mas sempre renovável do epigrama e uma invenção modernista, o poema-piada, tornaram-se sua marca registrada, embora não única, uma vez que pequenas baladas e mesmo poemas em prosa surgiam de quando em quando.
Se um texto de certo tamanho dá ao autor algum espaço de manobra, os curtíssimos raramente podem ser "razoáveis" ou "não de todo maus": são bons ou são ruins. Quando um texto curto pretende ser cômico, a situação se agrava, pois não existem piadas mais ou menos engraçadas: quando não fazem rir, elas e quem as conta tornam-se melancólicos. E, infelizmente, é isso que sucede com quase todos os poemas-piadas e epigramas de "Socráticas".
Um poema intitulado "O Piolho, de Aristóteles a Freud" e que consiste na justaposição de "catarse" e "catar-se" não merece sequer ser qualificado de trocadilho infame. Um outro, "Os Filhos de Nietzsche" ("- Deus está morto, tudo é permitido!/ - Mas que chatice!"), é algo sem graça que empalidece se comparado a piadas famosas (""Deus está morto", assinado: Nietzsche; "Nietzsche está morto", assinado: Deus") que a ninguém ocorreria chamar pretensiosamente de poesia.
Mas o que há de pior no livro são algumas observações que, como "Estratégia" ("Fica na minha sombra/ não te salientes/ que quando eu ganhar o prêmio Nobel/ te dou um pedaço"), querem-se satíricas mas são apenas patéticas e, por subentender o alvo sem nomeá-lo, traem um ressentimento pessoal ou profissional que, no caso de um escritor renomado como José Paulo, era obviamente supérfluo e equivocado.
Ainda assim, malgrado o insucesso nessa coletânea daquilo que o poeta sabia fazer melhor, poemas de natureza diversa conseguem redimir o conjunto. É, sem dúvida, melhor deixarmos sem comentário aqueles, também mal-sucedidos, que de alguma maneira brincam com a religião, pois o autor não parecia estar nem perto o bastante, nem suficientemente longe dela para poder tratá-la de modo interessante.
Quanto às paródias de fábulas que ele chama de "Refábulas", pode-se dizer o mesmo que se disse acerca dos epigramas, reprovando-lhes além disso o tamanho. O que, afinal, há de melhor em "Socráticas" são certas homenagens, algumas póstumas, a amigos e outras pessoas ligadas às artes. É em poemas como "Gobelin", a respeito da flautista Laura Rónai, ou "Sobre uma Foto de José Botelho" que transparecem tanto a serenidade e a generosidade do poeta, quanto sua perícia técnica, uma perícia que, no caso de textos menos prosaicos e mais assumidamente poéticos como estes, patenteia uma vez mais que, até o fim da vida, José Paulo manteve-se fiel ao modernismo cujo partido havia tomado já na juventude.


Socráticas
   
Autor: José Paulo Paes
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 17 (96 págs)




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