São Paulo, sábado, 21 de abril de 2001

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"GÁVEA DE TOCAIA"

Livro é composto de belas imagens e textos pouco esclarecedores

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

"Gávea de Tocaia" é livro traiçoeiro. Embora apresente extensa documentação fotográfica sobre a obra de Lygia Pape, encerra-se com textos pouco esclarecedores acerca da singularidade da artista.
Pape ocupa posição de importância na produção nacional. Nos últimos 50 anos, esteve na vanguarda das reinterpretações da abstração construtiva paulista e carioca. Com "Balé Neoconcreto", de 1958, propôs uma obra ambiental inovadora, convidando o público a abandonar a contemplação passiva e a se aproximar dos sólidos geométricos. Serviu de referência para a elaboração do "Esquema Geral da Nova Objetividade Brasileira", manifesto da arte contemporânea publicado em 1967.
Pape assina o projeto gráfico de "Gávea de Tocaia". Ela já produziu livros de artista e domina a mídia. Assim, o leitor terá um duplo prazer: com a documentação de excelente qualidade e com a edição das imagens.
Entretanto a parte escrita do livro não dá conta do recado. Há textos de Mário Pedrosa, Hélio Oiticica e Guy Brett.
Pedrosa e Oiticica apresentam reflexões poéticas. Neles, o leitor encontrará pouco esclarecimento objetivo sobre as obras de Pape.
O texto de Oiticica, em particular, é obscuro, confuso e abundante de conceitos não definidos: "Mesmo que [o objeto "Ovo", de Pape" seja reconstruído como no início para nova manipulação, essa reconstrução não indica um processo cíclico que completa a manipulação, mas uma sequência linear cujo começo é aberto e cujo fim é aberto, não tendo portanto nem começo-começo nem fim-fim: frase fragmento como linha quebrada" (pág. 300).
Guy Brett articula o internacionalismo de Pape apelando para a semelhança aos dois ícones brasileiros do circuito atual de exposições globais: Lygia Clark e Hélio Oiticica. Com uma visão estrangeira da produção brasileira, descontextualiza o cenário sociopolítico em que se dão as mudanças estéticas no início dos anos 60, privilegiando aspectos universais da "arte ocidental".
A exploração das relações entre experiência corporal e contemplação intelectual da obra de arte é corretamente enfatizada pelo autor anglo-saxão. Mas, por se restringir a análises gerais, Brett não explica a especificidade de Pape.
"Gávea de Tocaia" desperdiça a chance de contribuir com reflexões teóricas relevantes. A rica parte iconográfica é interpretada à luz de referências internacionais previsíveis.


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