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Os veteranos Raul Cortez e Fernanda Montenegro protagonizam drama urbano à la Hitchcock
Mistérios de Copacabana
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Regina viu de sua janela, em Copacabana, uma mulher morrendo, após o que parecia ser uma injeção letal. Como sempre -sua
ocupação como aposentada era
delatar crimes à polícia local- foi
ao delegado contar o que vira.
Mas, no dia seguinte, nada sai
nos jornais. Ela supõe então que
Camargo (esse é o nome do suposto assassino, ela descobre),
um juiz aposentado e ex-secretário de segurança do Rio, devia ter
abafado o caso. A própria polícia
afirma que a morte fora natural
-a mulher sofria de câncer. Regina decide decifrar o mistério.
Esse é o argumento de "O Outro
Lado da Rua", produção estrelada
por Raul Cortez, como Camargo,
e Fernanda Montenegro, como
Regina, em seu primeiro papel de
protagonista após o sucesso de
"Central do Brasil". O filme tem
na direção o estreante Marcos
Bernstein, 33, que assina o roteiro
com Melanie Demantas. Bernstein, aliás, foi um dos roteiristas
de "Terra Estrangeira", de Walter
Salles e Daniela Thomas, e também do próprio "Central".
"Gosto de trabalhar com diretores estreantes. Foi assim com
Leon Hirszman ["A Falecida", de
1964" ou Luiz Fernando Goulart
["Marília e Marina", de 1976", pois
é quando eles propõem uma linguagem", afirma Fernanda.
Além de contar com dois dos
mais prestigiados atores nacionais, o filme tem outra marca de
qualidade: a co-produção com o
canal franco-alemão Arte, que pela primeira vez financia um longa-metragem latino-americano,
além de contar ainda com a Columbia Tristar. Tudo graças à brasileira Katia Machado, que vive há
20 anos na França e também estréia como produtora independente com sua Passaro Films. "O
Outro Lado" conta ainda com
participação de Laura Cardoso.
Há três semanas, o filme, orçado em R$ 4,5 mi, começou a ser
rodado, e a Folha acompanhou as
filmagens na última quinta, na
rua Paula Freitas, em Copacabana. As rodagens seguem até o fim
de maio e o lançamento está previsto para abril de 2004.
"No Rio, há uma relação comum entre delatoras e a polícia.
No Leblon, elas são chamadas de
"vizinhas fofoqueiras". Li num jornal o caso de uma mulher que denunciou um assassinato, e achei
que era um bom tema a ser tratado. Não fiz pesquisa a respeito,
pois fiquei imaginando a solidão
que passa uma pessoa para ter tal
atitude e, a partir daí, desenvolvi o
roteiro", disse Bernstein.
Apesar de certa semelhança
com "Janela Indiscreta", de Alfred
Hitchcock, a Regina, de "O Outro
Lado" não espia apenas da janela.
Ela frequenta o submundo de Copacabana em roupas de couro, da
disco gay Le Boy a boites de prostituição, transformando a personagem em uma justiceira. "A casa
é o local da solidão, mas a rua é o
espaço da aventura de Regina",
conta o diretor.
Entretanto, a produção busca
transcender a mera ação. "No filme, nem tudo tem uma razão óbvia, explicitada, como a herança
americana, mas há um lado existencial, que o aproxima da herança européia", afirma Fernanda.
Bernstein escreveu o roteiro já
pensando nos atores principais,
mas só foi consultá-los depois de
pronto. "É um excelente roteiro",
afirmam os protagonistas juntos.
"Meu personagem é simples, mas
difícil de fazer, pois paira sobre ele
a dúvida sobre ser culpado ou
não, que não posso deixar clara.
Nem mesmo para a Fernanda eu
contei como o imagino", diz Cortez, que a cada passo que dá na
rua é saudado como "o melhor",
"você é demais" ou "e aí, Raul".
Como não é difícil de supor, Regina, ao investigar a vida do juiz
aposentado, acaba se envolvendo
com ele. "Após várias encontros
fortuitos, Camargo diz a ela: "estamos nos vendo demais, acho que
precisamos nos conhecer'", conta
Raul Cortez.
O encontro dos dois atores na
tela marca 46 anos de trabalhos
conjuntos. "Raul estreou na peça
"Rua São Luiz, 27, 8º andar", de
Abílio Pereira de Almeida, no
TBC, na qual ele me ensinava a
dançar twist. Desde então, fizemos vários trabalhos juntos",
lembra Fernanda.
Filmar nas ruas de Copacabana
tem sido uma aventura para a
produção. Evitar aglomerações é
um desafio. A cada passante que
se aproxima perguntando se estão
gravando uma novela, alguém
sempre afirmava: "Não, é um documentário universitário", enquanto era observado por muitas
mulheres, debruçadas nas janelas
do outro lado da rua.
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