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CINEMA
Empresas nacionais perdem terreno; pagamento de direitos a autores de trilhas estrangeiras é fator em discussão
Mercado de salas ensaia duelo Brasil x EUA
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
A rede Cinemark, número um
no mercado de cinemas no Brasil,
abrirá neste ano 32 salas, chegando a um total de 300. A vice-líder,
Severiano Ribeiro, não tem inaugurações previstas para 2004. Permanecerá com seus 207 cinemas
já existentes.
A disputa pelo mercado de exibição cinematográfica no Brasil
está ganhando contornos de uma
queda-de-braço entre o nacional
e o estrangeiro. A Cinemark é um
grupo norte-americano, que chegou ao país em 1997. A Severiano
Ribeiro, empresa brasileira, acumula o maior tempo em atividade
no ramo (desde 1917).
"Se ficarmos parados um ano,
dois, três, ficaremos sufocados.
Não conseguiremos enfrentar a
concorrência. É bom que exista o
exibidor americano no Brasil,
mas não é bom que exista só o
americano", diz Luiz Severiano
Ribeiro Neto, presidente da empresa que tem o nome da família.
A suspensão dos investimentos
da Severiano Ribeiro tem relação
direta com uma disputa judicial
que a empresa trava com o Ecad
(Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), em torno do
recolhimento de direitos dos autores de trilhas sonoras.
Pela lei brasileira de direitos autorais, os proprietários de cinemas devem pagar direitos aos autores das trilhas dos filmes exibidos em suas salas. O Ecad estipula
o pagamento em 2,5% da renda
bruta do cinema. A Severiano Ribeiro julga o percentual "extorsivo" e suspendeu o pagamento.
A questão foi discutida na Justiça durante 14 anos e, em dezembro passado, decidida favoravelmente ao Ecad pelo Superior Tribunal de Justiça. A Severiano Ribeiro tenta reverter o resultado na
mesma corte. Nem o vencedor
nem o vencido na ação sabem o
valor exato da dívida, que ainda
deve ser calculado. Estima-se que
atinja a casa dos muitos milhões.
Diferentemente dos exibidores
brasileiros (na ação contra o grupo Severiano Ribeiro há outras 31
empresas envolvidas), os estrangeiros têm obtido vitórias na Justiça em disputas com o Ecad em
torno do recolhimento de direitos
autorais. Ajuda-os o fato de nunca haverem assinado acordo com
a entidade, comprometendo-se
com o pagamento, coisa que os
brasileiros fizeram em 1989.
Ribeiro Neto considera que a
cobrança do Ecad aos exibidores
brasileiros desequilibra a concorrência. "Juridicamente eles ganharam a ação. Não adianta eu
questionar se é certo ou errado,
justo ou não. O que estou questionando é: pagar 2,5% de sua receita
bruta, enquanto os estrangeiros
não pagam, porque foram mais
felizes na Justiça, é uma loucura.
A competição já é difícil. Assim,
não vai sobrar um exibidor brasileiro no país", diz.
Valmir Fernandes, presidente
da Cinemark, afirma que, embora
as decisões na Justiça tenham sido
favoráveis à sua empresa, ele não
está tranqüilo, porque "uma importante parte do setor de exibição no Brasil está ameaçada".
A argumentação de Fernandes
contrária à cobrança do Ecad
também envolve a disputa nacional versus estrangeiro. Ele lembra
que a maioria dos filmes (e portanto das trilhas) em cartaz no
Brasil são norte-americanos e,
portanto, a maior parte do valor
recolhido pelo Ecad nos cinemas
brasileiros se destina a remunerar
o músico estrangeiro.
Nos Estados Unidos, os exibidores estão desobrigados de pagar direitos autorais aos autores
de trilhas sonoras. Lá, supõe-se
que o músico cobre tudo o que lhe
é devido no momento em que negocia a inclusão de sua obra num
filme para cinema.
"A Cinemark entrou com ações
contra essa cobrança, porque a
considera indevida. Não há raciocínio que me faça admitir que a
gente sacrifique o cinema brasileiro em nome do músico estrangeiro", diz Fernandes.
Cláudia Brandão, gerente jurídica do Ecad, diz que "como a lei
brasileira equipara o estrangeiro
ao nacional, para fins de proteção
da sua obra, o Ecad está obrigado
a cobrar o repertório estrangeiro,
não só o americano, mas também
o francês, o argentino etc".
Sobre o valor da cobrança, considerado alto pelos exibidores,
Brandão afirma: "O titular [autor
da música] tem um direito privado, garantido constitucionalmente, de fixar o preço para a utilização da sua obra. Ele não inventa
esses valores. Eles têm uma base
internacional".
O MinC (Ministério da Cultura)
foi chamado a intermediar o diálogo dos exibidores com o Ecad e
tenta um acordo. "A avaliação
que recebemos da Secretaria do
Audiovisual [órgão do MinC] é
que a questão [do pagamento ao
Ecad] cria um efeito inibidor da
atividade cinematográfica, o que
estabelece a necessidade de uma
intervenção nesse campo", diz
Sérgio Sá Leitão, chefe de gabinete
do ministro Gilberto Gil.
Simon Fuller, empresário da
banda Los Hermanos, falando em
nome do grupo, diz que, "se a
maioria dos filmes exibidos no
Brasil é americana, isso reflete um
momento do cinema brasileiro,
que não deve servir para eliminar
o pagamento dos direitos dos músicos". Fuller afirma, no entanto,
ser favorável à discussão dos valores cobrados dos exibidores.
A compositora Zélia Duncan
diz: "A arrogância americana em
certos acordos é mesmo terrível,
mas não creio que este seja um argumento para desproteger ainda
mais o músico brasileiro aqui".
André Abujamra, autor da trilha de 21 filmes brasileiros, diz
achar incorreta a cobrança aos
exibidores. "É preciso saber
quando e como cobrar." O músico defende que o valor negociado
na produção do filme seja suficiente para remunerar o autor pela execução da trilha no cinema,
dispensando cobranças posteriores. "Mas, se o filme for explorado
também na TV, é outra história."
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