São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2004

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CINEMA

Empresas nacionais perdem terreno; pagamento de direitos a autores de trilhas estrangeiras é fator em discussão

Mercado de salas ensaia duelo Brasil x EUA

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

A rede Cinemark, número um no mercado de cinemas no Brasil, abrirá neste ano 32 salas, chegando a um total de 300. A vice-líder, Severiano Ribeiro, não tem inaugurações previstas para 2004. Permanecerá com seus 207 cinemas já existentes.
A disputa pelo mercado de exibição cinematográfica no Brasil está ganhando contornos de uma queda-de-braço entre o nacional e o estrangeiro. A Cinemark é um grupo norte-americano, que chegou ao país em 1997. A Severiano Ribeiro, empresa brasileira, acumula o maior tempo em atividade no ramo (desde 1917).
"Se ficarmos parados um ano, dois, três, ficaremos sufocados. Não conseguiremos enfrentar a concorrência. É bom que exista o exibidor americano no Brasil, mas não é bom que exista só o americano", diz Luiz Severiano Ribeiro Neto, presidente da empresa que tem o nome da família.
A suspensão dos investimentos da Severiano Ribeiro tem relação direta com uma disputa judicial que a empresa trava com o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), em torno do recolhimento de direitos dos autores de trilhas sonoras.
Pela lei brasileira de direitos autorais, os proprietários de cinemas devem pagar direitos aos autores das trilhas dos filmes exibidos em suas salas. O Ecad estipula o pagamento em 2,5% da renda bruta do cinema. A Severiano Ribeiro julga o percentual "extorsivo" e suspendeu o pagamento.
A questão foi discutida na Justiça durante 14 anos e, em dezembro passado, decidida favoravelmente ao Ecad pelo Superior Tribunal de Justiça. A Severiano Ribeiro tenta reverter o resultado na mesma corte. Nem o vencedor nem o vencido na ação sabem o valor exato da dívida, que ainda deve ser calculado. Estima-se que atinja a casa dos muitos milhões.
Diferentemente dos exibidores brasileiros (na ação contra o grupo Severiano Ribeiro há outras 31 empresas envolvidas), os estrangeiros têm obtido vitórias na Justiça em disputas com o Ecad em torno do recolhimento de direitos autorais. Ajuda-os o fato de nunca haverem assinado acordo com a entidade, comprometendo-se com o pagamento, coisa que os brasileiros fizeram em 1989.
Ribeiro Neto considera que a cobrança do Ecad aos exibidores brasileiros desequilibra a concorrência. "Juridicamente eles ganharam a ação. Não adianta eu questionar se é certo ou errado, justo ou não. O que estou questionando é: pagar 2,5% de sua receita bruta, enquanto os estrangeiros não pagam, porque foram mais felizes na Justiça, é uma loucura. A competição já é difícil. Assim, não vai sobrar um exibidor brasileiro no país", diz.
Valmir Fernandes, presidente da Cinemark, afirma que, embora as decisões na Justiça tenham sido favoráveis à sua empresa, ele não está tranqüilo, porque "uma importante parte do setor de exibição no Brasil está ameaçada".
A argumentação de Fernandes contrária à cobrança do Ecad também envolve a disputa nacional versus estrangeiro. Ele lembra que a maioria dos filmes (e portanto das trilhas) em cartaz no Brasil são norte-americanos e, portanto, a maior parte do valor recolhido pelo Ecad nos cinemas brasileiros se destina a remunerar o músico estrangeiro.
Nos Estados Unidos, os exibidores estão desobrigados de pagar direitos autorais aos autores de trilhas sonoras. Lá, supõe-se que o músico cobre tudo o que lhe é devido no momento em que negocia a inclusão de sua obra num filme para cinema.
"A Cinemark entrou com ações contra essa cobrança, porque a considera indevida. Não há raciocínio que me faça admitir que a gente sacrifique o cinema brasileiro em nome do músico estrangeiro", diz Fernandes.
Cláudia Brandão, gerente jurídica do Ecad, diz que "como a lei brasileira equipara o estrangeiro ao nacional, para fins de proteção da sua obra, o Ecad está obrigado a cobrar o repertório estrangeiro, não só o americano, mas também o francês, o argentino etc".
Sobre o valor da cobrança, considerado alto pelos exibidores, Brandão afirma: "O titular [autor da música] tem um direito privado, garantido constitucionalmente, de fixar o preço para a utilização da sua obra. Ele não inventa esses valores. Eles têm uma base internacional".
O MinC (Ministério da Cultura) foi chamado a intermediar o diálogo dos exibidores com o Ecad e tenta um acordo. "A avaliação que recebemos da Secretaria do Audiovisual [órgão do MinC] é que a questão [do pagamento ao Ecad] cria um efeito inibidor da atividade cinematográfica, o que estabelece a necessidade de uma intervenção nesse campo", diz Sérgio Sá Leitão, chefe de gabinete do ministro Gilberto Gil.
Simon Fuller, empresário da banda Los Hermanos, falando em nome do grupo, diz que, "se a maioria dos filmes exibidos no Brasil é americana, isso reflete um momento do cinema brasileiro, que não deve servir para eliminar o pagamento dos direitos dos músicos". Fuller afirma, no entanto, ser favorável à discussão dos valores cobrados dos exibidores.
A compositora Zélia Duncan diz: "A arrogância americana em certos acordos é mesmo terrível, mas não creio que este seja um argumento para desproteger ainda mais o músico brasileiro aqui".
André Abujamra, autor da trilha de 21 filmes brasileiros, diz achar incorreta a cobrança aos exibidores. "É preciso saber quando e como cobrar." O músico defende que o valor negociado na produção do filme seja suficiente para remunerar o autor pela execução da trilha no cinema, dispensando cobranças posteriores. "Mas, se o filme for explorado também na TV, é outra história."


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