|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA ERUDITA
Esplendores e loucuras da música, segundo Vladimir Ashkenazy
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"A ren't they fantastic?"
(Não são fantásticos?),
perguntou o maestro Vladimir
Ashkenazy à platéia, antes do bis.
Nos dois últimos movimentos da
"Quarta Sinfonia" de Tchaikovsky (1840-93), certamente foram; antes disso, talvez não tanto.
Mas no final já estava todo mundo tomado pelo esplendor e pela
loucura da música, e a simpatia
energética do maestro só reforçava a vibração comum na Sala São
Paulo, num domingo especial.
A European Union Youth Orchestra (Orquestra Juvenil da
União Européia) é formada por
músicos de até 23 anos de idade,
vindos de 15 países, com bolsas de
estudo. Patrocinada pelo Parlamento Europeu, viaja pelo mundo como porta-voz do melhor
que o continente pode dar.
Fazia sentido, então, escutar essa orquestra num concerto comemorando o aniversário da Congregação Israelita Paulista, que,
como disse o rabino Henry Sobel,
quer promover uma sociedade
onde "os valores humanos se sobreponham às diferenças". As dezenas de autoridades presentes
-incluindo o vice-presidente José de Alencar, o vice-governador
de São Paulo Cláudio Lembo e a
prefeita Marta Suplicy- já terão
ouvido palavras desse teor até o limite da insensibilidade; mas sem
escutar Mozart depois (a abertura
de "Bodas de Fígaro"), com um
sentido que é mesmo de Mozart e
ali, quem sabe, se fazia ouvir.
Além de reger, Ashkenazy foi o
solista no "Concerto nš 3" para
piano e orquestra de Beethoven
(1770-1827). Momentos brilhantes (a "cadenza" do "Allegro") e
momentos de embaraço (platéia
aplaudindo entre movimentos);
tudo somado, uma interpretação
fluente e equilibrada de um concerto que, a essa altura, pede mais
do que fluência e equilíbrio. Mas o
pianista, domingo, estava a serviço do regente; e o regente veio
mesmo para Tchaikovsky.
Tolerância, na Rússia do século
19, não era exatamente um esporte nacional. A "Quarta Sinfonia",
de 1877, foi escrita num dos períodos mais atormentados da vida
do compositor: forçado a esconder a homossexualidade, casou-se, numa aventura que durou um
mês e o deixou à beira do colapso.
Anos mais tarde, o mesmo motivo levaria Tchaikovsky ao suicídio, mas por ora o inferno se resolvia em forma de música.
Tanto maior o apelo dos momentos de felicidade e tanto
maior nossa dívida com a oboísta
holandesa Anita Janssen, pelos
solos no segundo movimento.
Mas foi no terceiro, o famoso
"scherzo" em "pizzicato" (cordas
pinçadas com os dedos), que a
EUYO deslanchou.
Regida em alta velocidade pelo
vibrante minúsculo maestro, a orquestra virou uma máquina incrível, com precisão sueca e alma espanhola. Dali para a frente, a loucura pegou com tudo: nos acordes dissonantes dos metais, nos
corais exuberantes das madeiras,
nas cordas serrando alucinadas.
Gostar de Tchaikovsky é gostar
desse caos; e Ashkenazy rege a
loucura com gosto.
Loucura bem de outra ordem
foi lembrada pelo rabino Sobel.
Domingo era Dia do Holocausto.
Para isso, não existe música. Um
minuto de silêncio, e a orquestra
atacou o "Vocalise" de Rachmaninoff (1873-1943) -depois do
quê, nessas circunstâncias, não
havia mais nada a dizer.
Orquestra Juvenil da União
Européia
Quando: hoje, às 11h, no parque
Ibirapuera - pça. da Paz (av. Pedro
Álvares Cabral, s/ nš); dia 22/4, às 21h, no
Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš; tel. 0/xx/11/222-8698)
Quanto: entrada franca (Ibirapuera);
entre R$ 50 e R$ 250 (Municipal)
Texto Anterior: Projeto prevê mudar a lei de direitos autorais Próximo Texto: Cinema: Cinemateca solta os fantasmas dos porões Índice
|