São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Os suicidas da Terceira Guerra Mundial

Muita gente achou exagero quando o 11 de setembro de 2001 foi considerado o início da Terceira Guerra Mundial. Depois de Hiroshima e Nagasaki, uma guerra generalizada não poderia ser travada na base de todos a perderem: as retaliações seriam tais e tantas (sobretudo "tais") que não valeria a pena uma luta em que os vencedores não teriam tempo nem condições de comemorar e aproveitar a vitória.
Com a proliferação do arsenal atômico em diversos países de blocos conflitantes, a Terceira Guerra Mundial seria travada como está sendo. Sem as trincheiras tradicionais, enlameadas e mais ou menos inúteis da primeira; e sem os raids aéreos e os desembarques espetaculares, como o do Dia D, na Normandia, quando as forças aliadas começaram a encurralar os alemães no território continental da Europa.
Coisas do passado, como as lutas de arco e flecha nas guerras primitivas da humanidade. O furo agora é mais em cima. Nem se precisa apelar para o arsenal atômico propriamente dito. A Terceira Guerra Mundial está sendo travada sem trincheiras e fronts, sem territórios a ocupar ou desocupar. Todos estamos dentro da linha de fogo, não mais existe a terra de ninguém. Muito menos a Convenção de Genebra, que estabelece regras que nem sempre foram cumpridas no passado e não o serão agora, quando os alvos civis são atacados, os presos torturados, como aconteceu nas guerras localizadas: Vietnã, Afeganistão, Iraque e, esparsa, mas continuamente, no Oriente Médio.
Nesta semana, um jornal britânico revelou que no Irã, possível país a ser invadido pelas forças da chamada "civilização ocidental", 40 mil suicidas potenciais já estão alistados para defender (ou impor) os valores islâmicos, tão legítimos quanto os valores ditos cristãos defendidos por Bush e Blair.
Evidente que, em termos matemáticos, serão 40 mil alvos espalhados em todos os cantos e recantos do planeta -o que torna a Terceira Guerra Mundial mais do que mundial, mas geral, uma vez que os alvos poderão ser qualquer um que esteja rezando numa catedral, na fila de um banco, num ônibus urbano, num cinema, num campo de futebol.
Isso sem falar na ameaça da guerra bacteriológica, nos reservatórios de água envenenados. Como a Casa do Pai mencionada por Cristo, o Mal tem muitas moradas.
E nem adianta discutir quem tem razão, quem tem moral ou não tem. Ao contrário da Segunda Guerra Mundial, quando os dois lados antagônicos se tornaram precisos, sendo fácil distinguir o Bem do Mal, no terceiro conflito que estamos vivendo a confusão é geral. Tomemos como exemplo o caso do Oriente Médio. Em seu discurso na Páscoa comemorada no último domingo, o papa fez referência à necessidade de os árabes admitirem pacificamente a existência do Estado judeu e, na mesma frase, aconselhou o mundo a ajudar os palestinos a criar o seu Estado soberano e territorialmente demarcado.
Simples, quando dito num discurso acadêmico (o atual papa é um acadêmico típico), na praça de São Pedro, onde todos são revistados para poderem entrar na basílica, que pode ser alvo de um atentado como o do WTC, sendo, como é, um dos símbolos da cultura ocidental. Com todo o respeito que o papa nos merece, lembra aquele conselho dado por Maria Antonieta ao povo que foi a Versalhes pedir pão: por que não comem brioches?
Não bastando a tensão do Oriente Médio, que se tornou aguda a partir de 1948, quando estourou o primeiro conflito entre árabes e judeus, e que, de certa forma, é o embrião, mas não a causa única da tensão entre o Ocidente cristão e o Oriente islâmico, na última década do século passado e nos primeiros anos do século atual criou-se tensão maior e mais complicada, com as duas guerras contra o Iraque, a primeira com uma causa que pode ser defendida moralmente (o Iraque havia invadido um país vizinho); a segunda, absolutamente imoral pelos padrões do próprio Ocidente cristão.
Surge agora (agora não, o problema vem lá de trás) o caso do Irã, que, de cara, admite estar enriquecendo urânio para obter tecnologia nuclear, cuja ponta final não será um submarino, muito menos uma usina geradora de eletricidade. Ao contrário da deslavada empulhação dos Estados Unidos no caso do Iraque, não serão necessárias as missões internacionais para investigar o arsenal atômico que o próprio Irã faz questão de proclamar. O furo -repito- será mais em cima.
Quarenta mil suicidas decididos a atacar alvos ocidentais poderão fazer, a curto prazo, estrago equivalente ao da explosão de algumas bombas atômicas, que os Estados Unidos não poderão usar impunemente.
Saindo da órbita dos Estados, descendo ao cidadão comum, o terceiro conflito mundial é uma realidade na medida em que num metrô em Londres ou de Madri, amanhã não se sabe onde, qualquer um pode ser vítima da bala perdida disparada por um terrorista em qualquer parte do mundo. Ou da mesmíssima bala perdida disparada pelos que combatem o terror em nome de uma ordem econômica e social cada vez mais injusta e universal.


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