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CARLOS HEITOR CONY
Os suicidas da Terceira Guerra Mundial
Muita gente achou exagero
quando o 11 de setembro de
2001 foi considerado o início da
Terceira Guerra Mundial. Depois
de Hiroshima e Nagasaki, uma
guerra generalizada não poderia
ser travada na base de todos a
perderem: as retaliações seriam
tais e tantas (sobretudo "tais")
que não valeria a pena uma luta
em que os vencedores não teriam
tempo nem condições de comemorar e aproveitar a vitória.
Com a proliferação do arsenal
atômico em diversos países de
blocos conflitantes, a Terceira
Guerra Mundial seria travada como está sendo. Sem as trincheiras
tradicionais, enlameadas e mais
ou menos inúteis da primeira; e
sem os raids aéreos e os desembarques espetaculares, como o do
Dia D, na Normandia, quando as
forças aliadas começaram a encurralar os alemães no território
continental da Europa.
Coisas do passado, como as lutas de arco e flecha nas guerras
primitivas da humanidade. O furo agora é mais em cima. Nem se
precisa apelar para o arsenal atômico propriamente dito. A Terceira Guerra Mundial está sendo
travada sem trincheiras e fronts,
sem territórios a ocupar ou desocupar. Todos estamos dentro da
linha de fogo, não mais existe a
terra de ninguém. Muito menos a
Convenção de Genebra, que estabelece regras que nem sempre foram cumpridas no passado e não
o serão agora, quando os alvos civis são atacados, os presos torturados, como aconteceu nas guerras localizadas: Vietnã, Afeganistão, Iraque e, esparsa, mas continuamente, no Oriente Médio.
Nesta semana, um jornal britânico revelou que no Irã, possível
país a ser invadido pelas forças da
chamada "civilização ocidental",
40 mil suicidas potenciais já estão
alistados para defender (ou impor) os valores islâmicos, tão legítimos quanto os valores ditos cristãos defendidos por Bush e Blair.
Evidente que, em termos matemáticos, serão 40 mil alvos espalhados em todos os cantos e recantos do planeta -o que torna a
Terceira Guerra Mundial mais do
que mundial, mas geral, uma vez
que os alvos poderão ser qualquer
um que esteja rezando numa catedral, na fila de um banco, num
ônibus urbano, num cinema,
num campo de futebol.
Isso sem falar na ameaça da
guerra bacteriológica, nos reservatórios de água envenenados.
Como a Casa do Pai mencionada
por Cristo, o Mal tem muitas moradas.
E nem adianta discutir quem
tem razão, quem tem moral ou
não tem. Ao contrário da Segunda Guerra Mundial, quando os
dois lados antagônicos se tornaram precisos, sendo fácil distinguir o Bem do Mal, no terceiro
conflito que estamos vivendo a
confusão é geral. Tomemos como
exemplo o caso do Oriente Médio.
Em seu discurso na Páscoa comemorada no último domingo, o
papa fez referência à necessidade
de os árabes admitirem pacificamente a existência do Estado judeu e, na mesma frase, aconselhou o mundo a ajudar os palestinos a criar o seu Estado soberano
e territorialmente demarcado.
Simples, quando dito num discurso acadêmico (o atual papa é
um acadêmico típico), na praça
de São Pedro, onde todos são revistados para poderem entrar na
basílica, que pode ser alvo de um
atentado como o do WTC, sendo,
como é, um dos símbolos da cultura ocidental. Com todo o respeito que o papa nos merece, lembra
aquele conselho dado por Maria
Antonieta ao povo que foi a Versalhes pedir pão: por que não comem brioches?
Não bastando a tensão do
Oriente Médio, que se tornou
aguda a partir de 1948, quando
estourou o primeiro conflito entre
árabes e judeus, e que, de certa
forma, é o embrião, mas não a
causa única da tensão entre o
Ocidente cristão e o Oriente islâmico, na última década do século
passado e nos primeiros anos do
século atual criou-se tensão
maior e mais complicada, com as
duas guerras contra o Iraque, a
primeira com uma causa que pode ser defendida moralmente (o
Iraque havia invadido um país
vizinho); a segunda, absolutamente imoral pelos padrões do
próprio Ocidente cristão.
Surge agora (agora não, o problema vem lá de trás) o caso do
Irã, que, de cara, admite estar
enriquecendo urânio para obter
tecnologia nuclear, cuja ponta final não será um submarino, muito menos uma usina geradora de
eletricidade. Ao contrário da deslavada empulhação dos Estados
Unidos no caso do Iraque, não serão necessárias as missões internacionais para investigar o arsenal atômico que o próprio Irã faz
questão de proclamar. O furo
-repito- será mais em cima.
Quarenta mil suicidas decididos a atacar alvos ocidentais poderão fazer, a curto prazo, estrago
equivalente ao da explosão de algumas bombas atômicas, que os
Estados Unidos não poderão usar
impunemente.
Saindo da órbita dos Estados,
descendo ao cidadão comum, o
terceiro conflito mundial é uma
realidade na medida em que num
metrô em Londres ou de Madri,
amanhã não se sabe onde, qualquer um pode ser vítima da bala
perdida disparada por um terrorista em qualquer parte do mundo. Ou da mesmíssima bala perdida disparada pelos que combatem o terror em nome de uma ordem econômica e social cada vez
mais injusta e universal.
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